Que tal dar uma navegada no aplicativo do banco para comprar uma geladeira? Quem sabe um celular novo? Pode parecer inusitado, mas é uma aposta das grandes instituições financeiras para engajar clientes e gerar novas fontes de receitas.
Com esse objetivo, os bancos estão investindo em marketplaces, ou seja, shoppings virtuais dentro dos seus ecossistemas, onde vendem produtos de varejistas parceiros e ganham uma comissão por isso. A percepção é de que a área será cada vez mais importante num cenário em que as linhas tradicionais de tarifas têm sido pressionadas pela competição e por mudanças regulatórias.
As principais instituições estão em fases diferentes de implementação de seus marketplaces, com visões estratégicas também distintas. Enquanto o Bradesco já está expandindo a oferta para toda a base de clientes, Itaú Unibanco e Santander reformulam suas operações de fidelidade e pretendem criar shopping virtuais a partir delas nos próximos meses. O Banco do Brasil (BB) começa a juntar áreas dispersas para reforçar seu app, embora não use o termo marketplace.
O grande destaque hoje é o Inter, que se inspirou no mercado chinês para criar seu superapp e vê o marketplace ganhar cada vez mais relevância na sua estratégia — e, aos poucos, também na receita. O shopping virtual foi justamente o maior atrativo na decisão da Stone de investir R$ 2,5 bilhões para adquirir 4,99% do capital da instituição. Levando ao extremo o modelo, o Inter não tem mais a palavra “banco” no nome e está criando uma nova holding, batizada de Inter Platform para abrigar suas diversas frentes de negócios.
A diretora financeira e de relações com investidores do Inter, Helena Caldeira, conta que o marketplace já tem 1,7 milhão de clientes e gerou uma receita de R$ 41,2 milhões no primeiro trimestre, 7,6% da receita total. “Vai continuar ganhando relevância, principalmente na receita de serviços, e o grande ponto aqui é que existe uma sinergia muito grande entre as diferentes avenidas de crescimento. O crédito ajuda a aumentar as receitas do marketplace”, diz.
O volume de vendas (GMV) atingiu R$ 676 milhões, o que, anualizado, daria algo em torno de R$ 2,7 bilhões, colocando o Inter entre as 50 maiores varejistas do Brasil. Entre as principais categorias de produtos vendidas pelo Inter estão telefonia, eletrônicos, eletrodomésticos e games.
O Inter também fará em breve a abertura de seu marketplace para quem não é cliente do banco, o que significa que aceitará pagamentos com cartões de outros bancos. A instituição estima que terminará este ano com quase 20 milhões de clientes, sendo 16 milhões de correntistas e 4 milhões do marketplace, ante os 11 milhões no total.
O Santander, por sua vez, anunciou nesta semana mudanças no seu programa de benefícios Esfera. Segundo Elaine Watanabe, presidente da Esfera, será possível fazer compras no novo marketplace com qualquer cartão de crédito ou com o Pix, sem a necessidade de ter pontos. “Temos acordos com marcas relevantes do varejo, do e-commerce, e recorrentemente vamos colocar novos parceiros”, afirma.
Em um primeiro momento, o marketplace estará disponível no site e no aplicativo da Esfera, mas está prevista uma integração com os canais próprios do Santander. Atualmente, a Esfera já tem quase 10 milhões de clientes, mas, com abertura, a expectativa é de crescimento da base.
Elaine afirma que, no início, o objetivo é aumentar o número de clientes mesmo que com rentabilidade um pouco menor. Descontos e “cashback” estão previstos. “O que a gente quer é garantir que o cliente concentre o consumo aqui dentro do conglomerado. Mais que uma fonte de receita, primeiro o marketplace será uma diferenciação. Depois, obviamente, vamos atrelando outros produtos para os clientes”, diz.
O Itaú tem estratégia semelhante. Segundo o diretor Carlos Formigari, um novo marketplace deve ser montado antes da Black Friday, a partir do programa de pontos dos cartões do banco, que tem 5,5 milhões de usuários. A área já vem sendo expandida desde o ano passado, quando abriu para toda a base de 55 milhões de clientes do Itaú, e não só para quem tinha pontos no programa.
“O ponto para a gente é um estímulo que o cliente pode transformar no que quiser, em novas compras, cashback, desconto na fatura. É um mecanismo lúdico para ajudar o cliente a entender os benefícios que vai ter”, diz.
Segundo Formigari, por já nascer de um programa de pontos já estabelecido, o Itaú não precisa criar outros mecanismos para monetizar o marketplace. “Essa monetização vai se dar naturalmente no meu negócio financeiro. O que a gente quer com o marketplace é aumentar o ‘share of time’ [o tempo gasto pelo cliente] no nosso ecossistema”, afirma.
Para organizar essa operação, o Itaú está reunindo áreas antes dispersas, como o programa de fidelidade, os benefícios da Credicard e também os do Personnalité. “Para o cliente ficava difuso, uma parte relevante acabava não reconhecendo, então, o que estamos fazendo é juntar e garantir uma grande experiência, ter uma oferta integrada e contextualizada.”
Entra no pacote até o programa de assinatura iPhone para Sempre, em parceria com a Apple, que tornou o Itaú um dos maiores vendedores da marca no mercado brasileiro.
No BB, ainda não há um projeto de criação de um marketplace propriamente dito, mas a instituição também vem juntando iniciativas que estavam dispersas. Thiago Borsari, diretor de negócios digitais, afirma que até o fim do ano devem ser agrupadas as áreas de facilidades (giftcards), cupons e programa de fidelidade. Na operação de giftcards, lançada em dezembro, mais de 128 mil clientes já compraram 533 mil itens. A receita com a venda dos créditos chegou a R$ 1,4 milhão. Na área de cupons, são mais 360 mil clientes.
“Nossa intenção é atingir o público mais de varejo, fazer a integração disso na usabilidade do cliente. Ainda não está pronto, estamos conversando, não só do ponto de vista de criação de uma plataforma, mas falando com diversos parceiros”, afirma o executivo. Segundo ele, o impacto na receita total do banco não deve ser significativo neste ano, mas no médio prazo essa área pode ser, sim, uma fonte importante de receitas.
Em outra iniciativa, o BB já tem um marketplace exclusivo para o agronegócio — a plataforma Broto, que conta com cerca de 550 produtos, de tratores a defensivos agrícolas, e já gerou R$ 300 milhões em vendas. “O BB é um dos maiores fomentadores do agro no Brasil e estamos investindo bastante nesse segmento”, afirma Borsari.
No Bradesco, o presidente do banco, Octavio de Lazari Jr, afirmou em entrevista recente ao Valor que o marketplace, originalmente disponível apenas para clientes do segmento de alta renda, será em breve estendido para toda a base.
“O cliente quer entrar no app e poder resolver coisas, comprar o streaming da Disney ou algo na farmácia. […] É isto que estamos buscando como caminho para substituir tarifas que você deixa de ter porque o cliente faz um Pix em vez de TED ou DOC. Em dois, três, quatro anos passará a ser uma linha relevante de receita”, comentou.
Nesta semana, Renato Ejnisman, presidente do Next, disse que o banco digital – que pertence ao Bradesco — terá seu próprio marketplace, expandindo a área atual de “mimos”. “A tendência é que as fronteiras entre setores fiquem cada vez mais tênues, com varejistas oferecendo serviços financeiros, e o setor financeiro indo para o mundo do varejo, porque eles têm uma sinergia muito boa”, afirmou.
O site de e-commerce ShopFácil, que é do Bradesco, passou recentemente para a estrutura do Next, mas continuará operando de maneira independente do novo marketplace.
Fonte: Valor Econômico