No Dia Internacional da Mulher, celebrado ontem, quarta-feira (8), o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM se propôs a escutar a voz delas sobre os desafios mais urgentes em 2023. Ao longo dos anos, a data tem sido um importante lembrete de enfrentamento ao preconceito, desvalorização e violência contra a mulher.
Por Débora Anunciação
Confira, a seguir, quais são os principais desafios enfrentados pelas mulheres na atualidade, na visão de cinco especialistas do IBDFAM.
Ana Carla Harmatiuk Matos, advogada e diretora nacional do IBDFAM
O que é mais urgente para ser enfrentado pelas mulheres em 2023 é o combate ao feminicídio e às violências física, psicológica e patrimonial. Essa é a fratura mais exposta e grave dos temas de gênero na contemporaneidade, especialmente no Brasil.
O enfrentamento a esses temas também passa pela independência econômica da mulher. Nesse sentido, além de fatores socioeducacionais, parece-me muito importante a igualdade salarial e que se parem as discriminações no campo laboral. A paridade passará, então, a ter um empoderamento econômico, social e laboral, que poderá fazer frente à violência física mais bruta.
Carla Watanabe, tabeliã e membro do IBDFAM
Confesso que fiquei algum tempo pensando sobre a maior dificuldade enfrentada pelas mulheres atualmente. E pensei em inúmeras.
Enfrentamos o feminicídio; a falta de isonomia com os homens nos espaços privado e público; e a falta de amparo no exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. Ao mesmo tempo, tenho consciência que é impossível tomar-se como único um sujeito “mulher”.
Há toda uma série de interseccionalidades que atravessam as realidades de cada uma de nós. As mulheres são negras, ricas, trans, portadoras de deficiências, brancas, pobres, indígenas, por exemplo. Cada uma de nós tem suas pautas prioritárias, a depender da concretude de nossas vidas.
Na civilização ocidental, todavia, há um poder que atravessa toda a sociedade e nos atinge a todas. É este mesmo que nos aprisiona ao espaço doméstico e nos reserva os papéis de mães e de cuidadoras, enquanto deixa para o homem o papel de provedor, no espaço público; é o que afirma não termos capacidade de exercer a liderança, pois esta seria uma característica masculina; e é o que nos reduz ao próprio corpo, o qual se torna objeto de apropriação por nossos companheiros ou parentes, que nos impõem regulações sobre o que devemos vestir, ou como devemos nos comportar.
Esse poder também aprisiona os homens. Impede-os de exprimir seus sentimentos, de chorar diante da alegria ou da perda; força-os a um chamado “comportamento viril” que tende a embrutecê-los; e os afasta do exercício de uma parentalidade plena e acolhedora.
Estes são os efeitos do patriarcado, poder que dita as relações de gênero em nossa sociedade. É ele que normatiza o que as mulheres e homens devem ser e viver.
É por meio desse discurso que como mulheres somos mortas e violentadas; e somos tratadas como “o outro” do sexo masculino, como afirmou Simone de Beauvoir.
A superação dos efeitos desse poder passa por uma nova pedagogia. Um novo aprendizado não restrito às escolas, mas aberto a todos. Diria que se trata de algo que se encontra no contexto da “desconstrução”, como pregou o filósofo Jacques Derrida. Ou seja, uma luta de todos para revisitarmos as bases da cultura ocidental e fundamentá-la em novos termos.
É uma utopia? Sim, admito. Contudo, se não a tivermos em mente, não avançaremos a partir de onde estamos.
Maria Berenice Dias, advogada e vice-presidente do IBDFAM
O Dia Internacional da Mulher tem como finalidade conscientizar a todos, não só as mulheres, de que essa situação de absoluta disparidade precisa ser eliminada. A única forma de se chegar a isso, a médio prazo, é com a educação. De uma maneira imediata, porém, é preciso aumentar, e muito, o número de políticas públicas.
A violência doméstica, sem dúvida nenhuma, é o crime que mais se comete neste país. A necessidade de reverter este quadro é fundamental. Em 2023, precisamos nos atentar muito nesse sentido, e, cada vez mais, conscientizar as mulheres sobre a importância de denunciar a violência. Além disso, os homens devem aprender que as mulheres não são objeto de sua propriedade.
Maria Luiza Póvoa Cruz, advogada e presidente da Comissão Nacional do Idoso do IBDFAM
O desafio para as mulheres, apesar da mudança de ano, continua sendo o mesmo: enfrentar a violência de gênero e a discriminação. Estas duas questões são enfrentadas há décadas pelas mulheres no Brasil e, apesar de avanços, ainda colocam em risco a vida feminina e também a sua colocação na sociedade.
Mesmo não tendo vivido isso durante toda minha trajetória, seja como profissional ou como mãe, compreendo que é uma situação a ser superada coletivamente, a partir de políticas públicas e de uma mudança de comportamento da nossa sociedade.
Não podemos admitir que em 2023 ainda morram mulheres vítimas de violência doméstica ou de discriminação de gênero, assim como não podemos aceitar que mulheres e homens na mesma posição profissional tenham salários diferentes. As duas situações são marcas características de uma sociedade historicamente desigual e que ainda precisa dar passos importantes na luta contra o patriarcado.
Precisamos que nossos representantes estejam alinhados com uma pauta de inclusão, de proteção e de respeito à mulher e precisamos punir qualquer tipo de violência contra qualquer uma de nós. O combate só será efetivo quando sair do papel e for garantido na prática.
Patrícia Romana Silva do Nascimento, advogada e presidente da Comissão da Diversidade Racial e Etnia do IBDFAM
Apesar de maioria no Brasil (quase 5 milhões a mais que os homens, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE), vários são os desafios a serem enfrentados pelas mulheres ainda em 2023, devido às dificuldades causadas não só em função de gênero, mas também em função da raça.
Posso citar: assédio; falta de oportunidades; desigualdades salariais; baixa representatividade política; menor presença em cargos de poder; maioria na chefia das famílias; saúde mental e violência de todos os níveis, principalmente o feminicídio.
O machismo se encontra evidente nas dificuldades que mencionei e o racismo se encontra implícito, quando analisadas essas dificuldades por uma perspectiva racial. Em quase todas as dificuldades que a mulher passa, majoritariamente se encontra a mulher negra.
Exemplificando alguns casos:
1) Na educação 5,2% das mulheres negras alcançam o ensino superior, enquanto as brancas 18,2%.
2) Quanto mais alto o cargo, menor a presença feminina, ainda mais negra. Enquanto há 62% de homens brancos na alta liderança (C-Suite), há apenas 20% de mulheres brancas. De homens negros, há 13%, e o percentual de mulheres negras é ainda mais baixo, atingindo apenas4% – relatório “Women in the Workplace 2021”, da consultoria McKinsey.
3) Nas famílias em que a mulher está à frente do lar e com filhos, mais de 67% são negras (IBGE/2021), que criam seus filhos sem rede de apoio, em que a maior preocupação ainda é a inflação sobre os alimentos.
4) De acordo com o levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2021), 62% das vítimas de feminicídio no Brasil são negras. E quando falamos das vítimas de outros tipos de assassinatos violentos, esse índice passa dos 70%.
Diante de todas as dificuldades, o maior desafio de uma mulher, hoje, é se manter viva. A forma de superar esse desafio é por meio da promoção de políticas públicas que visam a extinção do racismo e do machismo – os maiores venenos que entremeiam e danificam a nossa sociedade.
É necessária a promoção de políticas efetivas que garantam o acesso aos direitos sociais, políticos, econômicos, culturais, salutares e ambientais para todas as mulheres. Somos nós que mantemos essa sociedade e precisamos viver!
Fonte: IBDFAM