Frente a ataques à Cultura, Luzia Ferreira entende que a resistência deve passar pela educação.
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A ditadura militar iniciada em 1964 promoveu a desvalorização da cultura brasileira, que pode ser sentida ainda nos dias atuais. A afirmação é de Luzia Ferreira, doutora em gestão cultural e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Para Ferreira, em governos alinhados à direita, a Cultura sempre estará na linha de frente dos ataques.
“A cultura é como um aporte de transformação da sociedade. Se você tem um ser humano educado para a cultura, ele jamais vai aceitar esse tipo de governo que vem por aí”, diz a professora, referindo-se ao futuro governo Bolsonaro.
No último dia 24, a bancada evangélica (uma das bases de apoio de Bolsonaro) divulgou um “manifesto à nação” em que propõe, entre outras medidas, a extinção do Ministério da Cultura (MinC) e de outros 12 ministérios. No mesmo sentido, o candidato eleito Jair Bolsonaro (PSL) já defendeu o rebaixamento do MinC a uma pasta subordinada ao Ministério da Educação.
Para Ferreira, a Cultura é recorrentemente atacada porque existe uma falsa ideia de que essa é uma área de menor importância na sociedade.
“Nós [Cultura] só fomos ter um ministério depois da Constituição (1988). Então, o ministério é muito jovem, é uma área muito frágil, enfraquecida politicamente. Não se pensa que a política de cultura seja uma coisa essencial”, diz Ferreira.
Na visão da professora, a ditadura militar promoveu o avanço dos ideais culturais estadunidenses e a desvalorização da cultura brasileira. Na época, houve um forte movimento de resistência, que pregava o fortalecimento da “brasilidade”. Foi quando surgiram movimentos como o tropicalismo, o Cinema Novo e o Cinema Marginal, usando a arte para debater a construção de uma identidade nacional própria.
Para Ferreira, a resistência ao desmonte da Cultura, atualmente, deverá se dar pela educação para a cultura. A professora entende que existe um “esgotamento da criação” e que os jovens brasileiros estão tomados pelas manifestações culturais que vêm dos Estados Unidos.
“Na ditadura, nós viramos de costas para a América Latina. Se você liga a rádio hoje, você pensa que está nos Estados Unidos, tamanha a lavagem cerebral. Nós temos essa batalha de educar os jovens para a cultura através desse processo de se apropriar do que é seu. Não ter vergonha das histórias dos seus antepassados, dos caminhos que eles percorriam. Tudo isso é cultura”, explica Ferreira.
Para a professora, o Brasil começou a trilhar um caminho de valorização das manifestações culturais tipicamente brasileiras a partir de 2010, com a criação do Plano Nacional de Cultura (PNC), que tem o objetivo de implementar políticas públicas voltadas à proteção e promoção da diversidade cultural brasileira.
“Num grande processo de democracia, conseguimos a inclusão da Secretaria de Diversidade Cultural, dos mestres dos saberes da cultura popular, tudo isso em um grande plano nacional, que nós não dizemos que está concluído, ele é um processo. Na cultura, nada está concluído, ela é dinâmica”, diz.
Ferreira tem receio de que as políticas públicas conquistadas para a área de Cultura sejam retiradas no novo governo Bolsonaro. Mas diz não temer, porque a resistência é uma qualidade própria da cultura.
“A gente enfrentou a ditadura. Foi difícil, mas a gente sobreviveu”, afirma.
Fonte: Brasil de Fato – Lia Bianchini – Edição: Diego Sartorato