Depois de ficar quase 1 ano praticamente sem trabalhar, a diarista Lizete Pereira, de 53 anos, voltou a fazer faxina em diferentes casas, mas ainda não conseguiu recuperar a renda de antes do início da pandemia. E nos últimos meses se viu forçada a aceitar ganhar menos pelo dia de trabalho para conseguir novos clientes.
Por Darlan Alvarenga, g1
“Tem semana que trabalho de segunda a sexta, tem semana que é só um dia e chega a ter semana que eu não trabalho. Só tenho uma casa que é toda semana. O resto é a cada 15, 20 dias. E voltei recebendo menos porque aquele valor de antes da pandemia a maioria não quer pagar, acha que está caro”, diz.
Renda média real do trabalho principal — Foto: Economia G1
Embora a renda média ainda esteja em nível semelhante ao do valor pré-pandemia, um achatamento ainda maior ao longo dos próximos meses é dado como inevitável em razão do elevado número de desempregados em busca de uma oportunidade e pela retomada dos setores que concentram as remunerações mais baixas.
“Ainda são mais de 14 milhões de desempregados e a tendência é que as pessoas voltem subocupadas, ou seja, trabalhando menos horas do que gostariam e em empregos informais. Com mais gente nesses empregos que pagam menos, o rendimento médio vai cair mais. E as perspectivas de aumento da inflação só prejudicam ainda mais o quadro”, afirma Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e autor do estudo.
O pesquisador explica que o aumento da renda real média em 2020 foi uma melhora “artificial”, uma vez que a elevação é explicada pela maior redução do número de ocupados nas atividades com menor remuneração, principalmente, entre trabalhadores informais e por conta própria do setor de serviços, enquanto que trabalhadores com ensino superior e com renda relativamente mais alta foram menos atingidos pelo desemprego.
Rendimento médio por categoria de ocupação — Foto: Economia G1
Mais gente em ocupações que pagam menos
Segundo os últimos números divulgados pelo IBGE, o aumento do número de ocupados no país tem sido puxado pelo trabalho por conta própria, também chamado de bico quando o pessoa não atua como microempreendedor individual (MEI) formalizado.
Ao término do 2º trimestre, o Brasil ainda tinha menos 6,7 milhões de pessoas com algum trabalho na comparação com o período pré-Covid – eram 94,5 milhões trabalhando em dezembro de 2019 e são 87,8 milhões agora.
O estudo do IDados mostra também que o setor de serviços tradicionais, que inclui os restaurantes, o setor de lazer e os serviços doméstico atividades – além de ter sido o mais afetado pela pandemia – é o que possui uma das menores rendas médias, perdendo só para a agricultura.
“Quando as pessoas começarem a conseguir novamente empregos nesses serviços tradicionais, como a renda desse setor é mais baixa, isso provavelmente também vai puxar o rendimento médio para baixo”, afirma Ottoni, acrescentando que o desemprego elevado também contribui para reduzir os salários de admissão.
De acordo com os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério da Economia, o salário médio de admissão em julho no país foi de R$ 1.802, o que corresponde a uma redução real de -R$ 22,72 na comparação com junho.
O IDados projeta que a taxa de desemprego deverá se manter acima de 12% até o final de 2022, podendo ficar acima de 13% dependendo do agravamento da crise hídrica e da piora das expectativas para o PIB (Produto Interno Bruto), inflação e taxa de juros.
Rendimento médio por setor da economia — Foto: Economia G1
Ganhando pouco e trabalhando menos horas do que gostaria
O número de trabalhadores que trabalham menos horas do que poderiam trabalhar também atingiu recorde de 7,5 milhões no final de junho, o que também contribui para pressionar a renda.
Estudo divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou forte queda nas horas efetivamente trabalhadas que alcançaram apenas 78% das horas habituais, o que representa uma jornada semanal média efetiva de 30,7 horas.
Neste grupo está a diarista Elizete.
“Antes da pandemia, dependendo do tamanho da casa, eu recebia até R$ 200. Agora, peço R$ 170 mais a condução e a pessoa ainda faz cara feia. Estou cobrando até mais barato porque é melhor pingar do que faltar, e tenho que fazer um bico a mais para não faltar nada em casa”, diz a trabalhadora por conta própria, que é viúva, pensionista do INSS e mora com 5 filhos numa comunidade do Jardim Elba, na Zona Leste de São Paulo.
A diarista Lizete Pereira conta que ainda está trabalhando menos do que gostaria e que está aceitando receber menos para não ficar sem renda. — Foto: Arquivo pessoal
Renda corroída pela inflação
Com a disparada da inflação, que atingiu atingiu 9,68% no acumulado em 12 meses, até mesmo a renda daqueles que estão empregados e que tiveram algum reajuste salarial tem caído em termos reais.
Em agosto, o reajuste mediano ficou 1,4 pontos percentuais abaixo do INPC e apenas 9,5% das negociações resultaram em ganhos reais.
A inflação projetada para as próximas datas base tende a se manter perto dos 10%, comprimindo o espaço para ganhos reais.
“A inflação corrói os rendimentos e, dada a situação de desaquecimento da economia, a tendência é que as negociações trabalhistas também não sejam muito favoráveis nos próximos meses. E isso tudo deve pressionar para baixo também a renda de quem tem carteira assinada”, afirma Ottoni.
A renda média mais baixa também significa menos dinheiro circulando na economia e um menor consumo das famílias, componente fundamental para a retomada da economia.
Segundo o IBGE, a massa mensal de rendimentos do trabalho somou R$ 215,5 bilhões em junho, se mantendo 1,7% abaixo (menos R$ 3,8 bilhões) do patamar de junho de 2020.
Ao final do 2º trimestre, 28,5% dos domicílio brasileiros sobreviviam sem nenhuma renda de trabalho, contra uma taxa de 25% no pré-pandemia, segundo o Ipea, evidenciado a recuperação lenta da ocupação e da economia.
País encerrou junho com 87,7 milhões de trabalhadores ocupados, a maioria como empregados com carteira assinada — Foto: Economia/G1
Fonte: G1
Pesquisadores avaliam que o número deve reduzir ainda mais nos próximos meses, em razão do alto número de desempregados.
Apesar do avanço da vacinação contra a Covid-19, a recuperação econômica do país segue em ritmo lento. O rendimento médio dos brasileiros com algum tipo de ocupação encolheu neste último trimestre e atingiu o valor mais baixo desde 2017.
O levantamento é da consultoria IDados, baseado nos indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad).
Pesquisadores avaliam que o número deve reduzir ainda mais nos próximos meses, em razão do alto número de desempregados. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 14 milhões de brasileiros estão sem ocupação formal.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), prévia da inflação, atingiu 1,14% em setembro. A taxa é a maior para o mês desde o início do Plano Real, em 1994.
Fonte: Metrópoles