A reestruturação das atividades bancárias das últimas décadas modificou o contexto de trabalho nos bancos, trazendo crescente adoecimento à categoria.
Por Vívian Machado*
Os transtornos mentais e comportamentais são a principal causa dos afastamentos entre os bancários, chegando a 25% do total em 2022, o dobro do que era dez anos antes.
Estimativas da OMS e da OIT indicam que doenças relacionadas ao trabalho causaram quase 2 milhões de mortes por ano, no mundo, entre 2000 e 2016, em especial, por doenças respiratórias e cardiovasculares. O principal fator de risco responsável pelas mortes relacionadas ao trabalho é a exposição a longas jornadas de trabalho, responsável por 750.000 mortes somente em 2016. O relatório mostra que ações são imprescindíveis para garantir locais de trabalho mais saudáveis, seguros e socialmente justos na promoção da saúde ocupacional. Jornadas menores de trabalho podem reduzir número de mortes, melhorando o equilíbrio entre suas vidas pessoal e profissional, reduzindo o estresse e algumas síndromes ocupacionais, como a Síndrome de Burnout. Maior tempo disponível para outras atividades, como lazer e descanso, e tempo para cuidar da saúde física e mental. No caso dos bancários, o número crescente de afastamentos por doenças ocupacionais levou os representantes dos trabalhadores a iniciarem, em 2022, uma discussão com os bancos sobre a possibilidade de redução de jornada para esses trabalhadores já adoecidos pelas condições de trabalho. A íntegra desse estudo compõe a 26ª Carta de Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), disponível em: www.uscs.edu.br/noticias/cartasconjuscs.
Diante das transformações ocorridas nos bancos após vultuosos investimentos em tecnologia e um crescente processo de digitalização das transações, os postos bancários no país diminuem significativamente desde 2013, assim como o número de agências bancárias. A pressão sofrida pelos trabalhadores que permanecem no setor faz adoecer física e mentalmente muitos deles, levando-os a se afastarem do trabalho. Entre 2013 e 2020, foram registrados 20.192 afastamentos de bancários, com alta de 26,2% entre 2015 e 2020, 1,7 vez acima do crescimento dos afastamentos em geral registrados no país (de 15,4% no período).
Até 2012, as doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo eram a principal causa de afastamento de bancários, correspondendo a mais de um quarto dos benefícios concedidos pelo INSS no período. Porém, desde 2013, os transtornos mentais e comportamentais tornaram-se a principal causa dos afastamentos na categoria. Um quadro que se agrava ano após ano, chegando a 40% dos benefícios por incapacidade temporária previdenciários e a 57% dos benefícios por incapacidade temporária acidentários, em 2022. No país, em relação ao total dos afastamentos acidentários por doenças mentais e comportamentais, os afastamentos de bancários correspondiam a 12% do total em 2012 e a 25%, em 2022.
Quanto aos afastamentos previdenciários (classificação B-31), os registros relacionados às doenças infecciosas ou parasitárias entre os bancários cresceram consideravelmente entre 2019 e 2021, passando de 134 para 1.855 em 2021. Entre 2020 e 2021, foram registrados 2.353 casos de afastamentos por Covid-19. Os registros relativos à categoria representaram 1,4% do total dos registros por Covid-19 no país.
Reestruturação de atividades
A reestruturação das atividades bancárias das últimas décadas modificou o contexto de trabalho nos bancos, trazendo crescente adoecimento à categoria. A incorporação de novas ferramentas de gestão, a forte pressão quanto ao tempo para atingirem resultados, o aumento do controle, o prolongamento da jornada e o aumento da competitividade resultaram na maior incidência do adoecimento mental na categoria.
Doenças por transtornos mentais como estresse, síndrome do pânico, esquizofrenia e depressão, dificilmente reconhecidas como relacionadas ao trabalho, acabam, muitas vezes em demissão do trabalhador. Todavia, os transtornos mentais e comportamentais são a principal causa dos afastamentos previdenciários entre os bancários desde 2013, sendo responsáveis por 43% dos afastamentos previdenciários em 2020 e chegando a 40% do total em 2022. Em 2012, representavam apenas 23% do total de afastamentos previdenciários.
Por sua vez, a incidência das doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo entre os bancários seguem em queda, passando de 49% em 2013, para 21% em 2022, demonstrando que, de fato, as lesões por esforço repetitivo não são mais tão marcantes para a categoria e, sim, o desgaste mental diante da pressão exercida por meio de cobranças excessivas por metas e resultados, além de várias denúncias de assédio.
Os afastamentos acidentários devidos aos transtornos mentais e comportamentais, assim como nos afastamentos previdenciários, tornaram-se a principal causa dos afastamentos, em um crescimento contínuo desde 2017, saindo de 30% para 57% em 2022 (representando 25%, ou seja, um quarto do total dos afastamentos acidentários no país por essas doenças). Em 2012, esses afastamentos na categoria bancária representavam 12% do total.
Pandemia
O relatório da OIT/OMS ressalta que a carga de doenças relacionadas ao trabalho, muito provavelmente, seja substancialmente maior, tendo em vista que, futuramente, deva ser quantificada a perda de saúde relacionada a diversos outros fatores de risco ocupacionais, tal como, as sequelas deixadas pela COVID-19.
Durante a pandemia, observou-se crescimento do fechamento de postos de trabalho de bancários por morte, que cresceu 73% em 2021, chegando a 575 desligamentos, em grande parte, por conta de síndromes respiratórias ou Covid-19, muito provavelmente. A média anual anterior girava em torno de 330 ocorrências. Ainda que os dados não identifiquem as causas das mortes, a curva observada no ano em questão assemelha-se à curva de mortes por Covid-19 no país em 2021, ano em que a pandemia atingiu níveis elevadíssimos no Brasil, com mais de 36,3 milhões de casos e quase 694 mil mortes registradas.
E, após a pandemia, observou-se um novo fenômeno no mercado de trabalho, com um crescente número de desligamentos a pedido, ainda que a situação econômica do país ou mesmo do mercado de trabalho não fosse das melhores, com elevados índices de inflação, desemprego e subocupação. Um fenômeno que já vinha sendo observado nos EUA, desde 2021, quando um número recorde de pessoas deixou seus empregos (Great Resignation).
Desligamentos a pedido
Consultorias de Recursos Humanos buscaram entender o que estaria acontecendo e pesquisas observaram que muitos profissionais estão buscando por qualidade de vida. Entre as principais motivações de quem decide pedir demissão voluntariamente no Brasil está a busca por uma maior flexibilidade no trabalho e priorização da saúde mental, mantendo distância de ambientes corporativos tóxicos. O percentual de desligamentos a pedido no total de desligamentos na categoria bancária foi ainda mais significativo, superando a média nacional nos últimos anos, chegando a quase metade dos desligamentos em 2022 (43,4% do total), enquanto no país o percentual dos desligamentos a pedido foi de 33,4%.
No caso dos bancários, com a exigência de retorno ao trabalho presencial nas agências, um ambiente onde sofrem grande pressão e, muitas vezes, assédio para cumprirem metas cada vez mais inatingíveis, grande parte desses trabalhadores está trocando os grandes bancos tradicionais pelos novos bancos digitais, pelas fintechs e até mesmo pelas cooperativas de crédito – um segmento onde eles não tem os mesmos direitos que teriam como bancários, mas, onde buscam melhores condições de trabalho, preservando, principalmente, sua saúde mental e onde, segundo dados do Banco Central, o número de trabalhadores mais do que dobrou entre 2012 e 2021.
Todos esses dados demonstram que há problemas sérios na cultura organizacional dos bancos. Uma gestão cada vez mais competitiva que adoece muitos trabalhadores. Um setor que deveria atender aos interesses da população, mas fecha agências e postos de trabalho, “empurrando” seu público para o atendimento digital.
*Vivian Machado. Mestre em Economia Política pela PUC-SP. Graduada em Ciências Econômicas pelo Centro Universitário Fundação Santo André. Atualmente, técnica do DIEESE e colaboradora do Observatório CONJUSCS. (Fonte: RBA)