A PGR (Procuradoria-Geral da República) resolveu nesta quarta-feira (31) instaurar um procedimento administrativo para apurar denúncia de supostas práticas anticoncorrenciais de bancos e instituições financeiras.
A procuradoria acatou uma representação ingressada no dia 22 de janeiro pela Abranet (Associação Brasileira de Internet), que representa empresas que operam com as chamadas “maquininhas”.
O ato do subprocurador-geral da República Luiz Augusto dos Santos Lima solicita informações e esclarecimentos da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), do Banco Central e da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) —esta última ligada ao Ministério da Justiça.
Santos Lima ainda cita em sua decisão que o tema carrega grande “relevância” e “gravidade” e também menciona que a representação da associação na PGR fala em fatos que atentam contra a ordem econômica e o direito do consumidor.
A Abranet informou que o pedido ingressado na PGR diz respeito à Febraban e alguns de seus associados —Itaú, Santander, Bradesco—, além do Nubank.
“O objetivo [da abertura do procedimento] é saber se os maiores bancos do país estão utilizando sua posição de oligopólio para impedir operações realizadas por competidores de menor porte. Essa atuação pode configurar violação da livre concorrência de mercado e prejuízo à economia”, afirma a Abranet.
Procurada pela Folha, a Febraban disse que a acusação de prática anticoncorrencial por parte da Abranet é “leviana”.
“Trata-se de mais uma claríssima represália da Abranet, numa nítida atitude de retaliação, apenas para desviar a atenção de graves irregularidades denunciadas pela Febraban”, diz, em nota.
A associação, que representa empresas como PicPay, Stone e PagBank —marca atual do PagSeguro, pertencente ao Grupo UOL, que tem participação minoritária e indireta do Grupo Folha, que edita a Folha— afirma que a Febraban tem atacado de maneira injusta os produtos ofertados por seus associados, como o parcelamento sem juros no cartão de crédito.
E acrescenta que a razão para isso é que os bancos não descobriram como enfrentar a concorrência das novas empresas de tecnologia, que passaram a disputar mercado com essas instituições.
“A campanha difamatória da Febraban teve início no ano passado durante a tramitação do Desenrola, no Congresso Nacional. O projeto previa –como aconteceu– um teto para a cobrança pelos bancos dos altos juros do rotativo do cartão de crédito, que chegavam a quase 450% ao ano. Os bancos alegam que as taxas eram exorbitantes por causa, principalmente, da suposta inadimplência decorrente das compras parceladas sem juros”, afirma o texto.
O setor de maquininhas rejeita essa justificativa e apresentou ao BC estudos mostrando que não há relação entre parcelamento e inadimplência.
“A Febraban e alguns de seus associados têm utilizado seu espaço no debate público e na mídia para atacar a concorrência de forma abusiva”, disse a Abranet à Folha.
“Tentaram criar termos ofensivos, emplacar narrativas que não se sustentam em estudos técnicos e estão dissociados das regras legais vigentes e até fizeram ameaças públicas de retirar milhões de cartões de circulação se eles não fossem atendidos em seus desejos anticoncorrenciais pelas autoridades reguladoras”, afirmou a associação.
A entidade dos bancos, por sua vez, afirma que aproveitará o pedido de esclarecimento por parte da PGR para detalhar supostas condutas ilegais no parcelado sem juros que a Abranet defende.
“A Febraban continuará, portanto, acionando as autoridades públicas para preservar o direito de seus associados, aprimorar o ambiente regulatório da arquitetura do cartão de crédito, assegurar a correta e lícita competição na indústria de cartões e, sobretudo, um mercado de crédito saudável para o consumidor”, diz.
A movimentação da PGR é mais um capítulo na disputa que vem sendo travada entre os grandes bancos e as empresas de maquininhas. Essa disputa vem sendo travada também em reuniões com participação de outros agentes, como o Banco Central e a Senacon.
A discussão sobre a limitação do parcelado sem juros surgiu após o Congresso ter decidido instituir um limite para os juros cobrados no rotativo do cartão de crédito.
Em reação às mudanças, os bancos iniciaram uma ofensiva sobre as compras parceladas sem juros. As empresas de maquininhas são acusadas de estarem cobrando juros dos consumidores de forma dissimulada em um tipo de operação que a Febraban chama de “parcelado sem juros pirata”.
A entidade que representa os bancos acusa essas empresas de permitirem que seja embutido por estabelecimentos comerciais um adicional de preço nas compras a prazo, mesmo a operação sendo registrada como uma compra parcelada sem juros.
Na sexta-feira (19), a Senacon tornou sem efeito uma medida cautelar emitida contra as empresas PagSeguro, Mercado Pago, Stone e PicPay.
A medida cautelar havia sido tomada após acusação da Febraban de que as empresas estariam supostamente cobrando juros de forma velada do consumidor. A nova decisão do órgão aconteceu após a manifestação das empresas que haviam sido denunciadas.
“Diante das manifestações das empresas, a Senacon decidiu pela revogação da medida cautelar. A pasta observou que as instituições apresentaram esclarecimentos que demonstraram o cumprimento das normativas legais, tornando desnecessária a continuidade da medida cautelar”, disse, em nota.
Após a decisão da PGR, nesta quarta, a Abranet reforçou que a premissa relacionada com a inadimplência é falsa e que o parcelado sem juros é uma “conquista do consumidor brasileiro”. Afirma que essa acusação já foi refutada pelo Congresso, pelo governo federal, pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) e pela Senacon. E cita que a decisão do subprocurador é “mais um baque” para os grandes bancos
“A Febraban tentou induzir as autoridades a erro, afirmando que alguns dos serviços oferecidos por nossos associados estariam em desconformidade com a legislação. O que a Febraban chamou caluniosamente de “parcelado pirata” é uma ferramenta tecnológica disponibilizada aos estabelecimentos comerciais que permite ao vendedor calcular os valores a receber por suas vendas, de acordo com os diferentes meios de pagamento utilizados, os prazos de pagamento e os custos transacionais envolvidos”, afirma o texto da nota.
“Esta solução, já amplamente utilizada pelo mercado, foi desenvolvida no contexto da lei 13.455/17, que prevê a possibilidade de o vendedor diferenciar o preço de bens e serviços, em decorrência do meio de pagamento utilizado pelo comprador e/ou em decorrência do prazo de pagamento da transação. Trata-se, apenas, do cálculo do preço do produto, que pode variar de acordo com o instrumento e prazo de pagamento”, completa o texto.
Fonte: Folha de SP