A pandemia de Covid-19 acelerou o processo de digitalização do sistema financeiro e adiantou um movimento que já estava em curso: o de redução de dependências físicas. Do início da crise sanitária para cá, houve fechamento em massa de agências e 89 municípios perderam atendimento bancário presencial.
Em agosto deste ano, último dado divulgado pelo Banco Central, 43,4% das cidades brasileiras (2.427) não possuíam agência. Em março do ano passado, quando o vírus chegou ao país, eram 2.338.
Os bancos argumentam que houve aumento do uso dos canais remotos (como celular, computador e tablet) nos últimos anos e que o processo de digitalização dos clientes foi intensificado na pandemia.
Nesse período, aumentou também o número de municípios que, além de não contarem com agência, também não possuem pontos de atendimento presencial ou caixa eletrônico —de 377 para 384.
Desde o início da pandemia, foram fechadas pelo menos 2.080 agências em todo o país. Em agosto, eram 17.795, contra 19.875.
Para o professor de finanças da FGV Rafael Schiozer, a tendência é que as instituições financeiras fechem mais agências. “É um processo que vai continuar por alguns anos”, ressalta.
O economista diz que a maior parte das unidades encerradas estavam nas capitais ou em grandes cidades, que são bem assistidas pela rede bancária.
“As pessoas acabam confundindo fechamento de agência com presença de bancos em cidades menores ou de difícil acesso. São coisas correlacionadas, mas a maioria estava nos grandes centros, locais bem bancarizados. Existe estudo de eficiência, havia sobreposição decorrente de fusões, com duas da mesma instituição na mesma rua, a metros de distância, por exemplo. Ao longo do tempo foram fechando.”
O especialista destaca ainda que, mesmo com gargalo na inclusão digital da população, o saldo é positivo. “A inclusão digital promovida é maior que a perda com fechamento de agências”, diz.
Desde 2016, 4.752 agências fecharam as portas. No período, o número de municípios sem uma agência, um ponto de atendimento ou um caixa eletrônico aumentou 9,4%. Em 2012, esse número era 61,7% menor: na época, 147 municípios não tinham nenhum dos três tipos de serviço.
Durante o distanciamento social, a digitalização foi solução para que a população conseguisse ficar em casa e alguns serviços foram flexibilizados. Isso acelerou a implementação de iniciativas de tecnologia.
Segundo a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), em 2020, das 103,5 bilhões de transações bancárias, 97% foram realizadas através do celular ou internet. As agências foram responsáveis por apenas 3% das operações no período.
Porém, os canais bancários remotos não alcançam a todos. Pessoas de baixa renda e moradores de áreas rurais, por exemplo, têm menos acesso à internet e a aparelhos que possibilitem fazer transações digitais.
Joaquim Melo, coordenador da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, conta que em municípios sem estrutura bancária, aqueles que não têm acesso à internet precisam ir a outra cidade para receber o auxílio emergencial ou outros benefícios do governo porque não contam com assistência presencial.
“Em alguns municípios do Amazonas e em populações ribeirinhas é uma verdadeira peregrinação. Por vezes as pessoas demoram cinco dias para chegar à cidade mais próxima que possui caixa eletrônico e pode acontecer de não ter mais dinheiro no terminal porque muita gente saca ao mesmo tempo”, relata.
Os bancos comunitários são responsáveis pela distribuição de moedas sociais, uma espécie de dinheiro local com nome próprio e logomarca, em lugares sem assistência bancária. Muitos também concedem empréstimos a comerciantes da região.
Melo diz que o governo precisa criar soluções para municípios sem acesso a internet e sem banco porque o movimento de fechamento de agências não vai ser revertido.
“É preciso adotar políticas públicas de incentivo para correspondentes bancários, cooperativas e bancos comunitários, por exemplo”, afirma.
Em muitas cidades, os correspondentes bancários, empresas vinculadas à instituição financeira, como as lotéricas, fazem as vezes de agência e oferecem os serviços básicos.
Melo pondera que os correspondentes bancários oferecem serviços limitados e não concedem crédito. “Muitos têm limite de valor para pagamento e saque, então limita muito”, reclama.
Levantamento feito pela reportagem com a base de dados do BC mostra que 5.309 municípios têm ao menos um correspondente bancário. A autoridade monetária considera o total de 5.590 cidades. Dessa forma, 281 não têm esse tipo de atendimento.
O número de municípios contabilizado pelo BC diverge do dado oficial do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que é de 5.570. Segundo a autarquia, isso ocorre porque as cidades satélites de Brasília são consideradas separadamente (19 ao todo).
O Bradesco, que tinha a maior rede em março do ano passado, fechou pelo menos 1.315 unidades, segundo o BC. Neste ano, a instituição caiu para a terceira posição entre os bancos com maior número de agências no país.
O Banco do Brasil, que atualmente possui a maior rede, perdeu 389 agências entre março de 2020 e agosto deste ano. O Itaú reduziu suas dependências em 110 e o Santander, em 163. A Caixa não fechou agências no período.
O BC afirmou à reportagem que o Brasil há pelo menos um canal de atendimento presencial em todos as cidades. “Atualmente, dos 2.426 municípios sem agência bancária, 450 estão atendidos por correspondentes e 1.976 são cobertos por Pontos de Atendimento e correspondentes”, disse em nota.
A Febraban respondeu que a decisão de abrir ou fechar um posto de atendimento é tomada pelos bancos individualmente com base na respectiva estratégia de negócio. “Os bancos estão adequando suas estruturas à nova realidade do mercado, em que a utilização dos canais digitais de atendimento vem ganhando espaço em detrimentos dos canais físicos e presenciais”, disse.
O Banco do Brasil afirmou que possui 50 mil postos de atendimento em todo o país e que “promove sistematicamente estudos para adequação da sua força de atendimento”.
“Além da contínua mudança do perfil e do comportamento do consumidor observada há anos, o crescimento das ações de combate ao Covid-19, desde o início de 2020, também impulsionou o uso de soluções e canais digitais, acelerando de forma exponencial a quantidade de adeptos às soluções de atendimento remoto”.
O Itaú disse que as agências físicas “seguem cumprindo papel relevante como espaços mais humanizados de relacionamento e consultoria”.
“O atendimento presencial continua sendo peça importante no processo de transformação pelo qual o banco passa e ocorre cada vez mais integrado ao digital —para que o cliente tenha um atendimento de qualidade por meio de qualquer um deles e defina, com base em suas próprias demandas, quando deve acionar um ou outro.”
Para o Santander, não há relação do de agências com a aceleração da transformação digital.
“Esse processo ocorre há muitos anos e, no nosso caso, não é possível estabelecer uma correlação com o fechamento de agências. Ao longo dos últimos cinco anos, por exemplo, ampliamos nossa presença geográfica e crescemos nossa rede de atendimento. Somente neste ano, foram inauguradas 120 agências em municípios onde o banco não estava presente.”
A Caixa disse que deve inaugurar nos próximos meses 268 novas agências, 100 exclusivas ao atendimento do agronegócio.
Por Larissa Garcia/Folhapress