O Ministério da Economia estuda o fim do monopólio da Caixa na gestão do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que é uma poupança forçada feita pelos trabalhadores, e planeja uma reformulação na forma como são feitos os aportes no programa de habitação popular Minha Casa Minha Vida.
O banco estatal, responsável pela gestão do FGTS desde 1990, recebe 1% dos ativos do fundo para fazer esse trabalho. Em 2018, isso representou R$ 5,1 bilhões. “Não dá para um país do tamanho do Brasil contar com um banco só”, diz Igor Vilas Boas de Freitas, diretor do departamento do FGTS do Ministério da Economia, área criada no governo Jair Bolsonaro. Para os defensores da ideia, outros bancos poderiam cobrar menos pela administração e oferecer maior retorno aos trabalhadores com outros tipos de aplicação. Por lei, o dinheiro do FGTS só pode ser fonte para financiar as áreas de habitação, saneamento e infraestrutura.
Para Freitas, a Caixa sempre foi um “entrave” para a modernização do FGTS. “Os interesses da Caixa, até pela sua presença no conselho curador, eram impostos aos interesses do fundo e dos seus cotistas”, afirma.
Por ano, o FGTS destina R$ 9,6 bilhões para o Minha Casa. A ideia é que os recursos sejam usados para criar um fundo garantidor em vez de serem utilizados para dar um desconto no valor dos imóveis que são financiados pelo programa a juros mais baixos. Segundo Freitas, isso possibilitaria multiplicar por 200 o número de beneficiários. Em tese, o fundo garantidor funcionaria como um seguro para as pessoas que são barradas no financiamento à casa própria por não conseguirem aprovação na análise de risco do banco.
O fundo garantidor também permitiria, segundo o diretor, baratear o custo da operação, pois os bancos contariam com uma espécie de seguro. Caso o mutuário não pague as parcelas, o fundo cobre. “O que estamos avaliando é de que forma empregar esse recurso, que já é perdido todo o ano, para a equação de sustentabilidade do fundo. Diminuir um pouco esse montante e não prejudicar o nível de execução”, diz.
Freitas afirma que o Minha Casa se transformou em um “samba de uma nota só”. “Tem um modelo único de aplicação de recursos. Com quase R$ 10 bilhões por ano de aplicação, o FGTS pode fazer mais do que faz. O fundo tem de fazer isso de uma forma eficiente e garantir que a população de baixa renda em todo o Brasil receba o recurso”, afirma.
O FGTS hoje é o grande responsável pela manutenção do Minha Casa mesmo em tempos de restrição orçamentária. Na faixa 1 (destinada a famílias que ganham até R$ 1,8 mil), cerca de 90% do valor do imóvel são bancados com recursos do Orçamento. O FGTS, porém, já socorreu o governo para bancar as obras dessa faixa. Em outras faixas, o fundo banca parte do subsídio.
As mudanças foram discutidas na semana passada em reunião com representantes de construtoras e incorporadoras. “O próprio setor de construção já entendeu que o modelo faixa 1 não tem futuro. É preciso que haja outras fontes de financiamento e outros modelos de aplicação dos recursos que não dependam 100% do Orçamento”, afirma. A estimativa é que as mudanças sejam aprovadas até dezembro para entrarem em funcionamento em 2020.
FI-FGTS
O conselho curador do FGTS, órgão formado por representantes do governo, de trabalhadores e de patrões, também aprovou a reformulação do fundo de investimento que usa recursos do FGTS para aplicar em infraestrutura (o FI-FGTS). Um grupo de trabalho foi criado para refazer a estrutura de governança e a política de investimento. O fundo de investimento foi criado tendo como justificativa aumentar a rentabilidade do fundo para os trabalhadores, mas foi alvo de operações da Lava Jato por suspeitas de corrupção.
“Ter investimentos, assumindo maior risco, para ter retorno maior é importante para o FGTS. O problema foi que as regras do FI-FGTS, a maneira pela qual foi gerenciado, é que foram ruins. Privilegiaram o interesse da Caixa e abriram espaço para a corrupção em detrimento do resultado do FGTS”, afirma.
Freitas avisou as construtoras que não façam novas contratações na faixa 1 do Minha Casa destinada às famílias que ganham até R$ 1,8 mil por mês. Veja trechos da entrevista com o diretor.
Quais mudanças o governo estuda para o Minha Casa?
Temos trabalhado com a secretaria de habitação do MDR (Ministério de Desenvolvimento Regional). O modelo faixa 1, o próprio setor de construção já entendeu que não tem futuro. É preciso que haja outras fontes de financiamento e outras modelos de aplicação dos recursos que não dependam 100% do Orçamento.
Um modelo de mercado?
O FGTS já opera em modelo de mercado no faixa 2 para pessoas que têm renda de dois a três salários. O FGTS está pagando uma boa parte dessa parcela. Se cada um de nós concorda ou não que o dinheiro do trabalhador seja doado é outra discussão. O que estou dizendo é que o FGTS com R$ 9, 6 bilhões, R$ 10 bilhões por ano de descontos pode fazer mais do que faz.
Para baixa renda?
Isso. Pode gastar menos e fazer mais.
O que fazer para mudar esse quadro?
Mudando a maneira de alocar o recurso. É criando o fundo garantidor, é trabalhando com o compartilhamento de risco de outras formas. Ao usar só as regras hoje vigentes do Minha Casa, estamos perdendo oportunidades de ganho de eficiência de uso dos recursos do fundo. Isso está sendo trabalhado no âmbito do conselho curador. Estamos discutindo com Estados e outros agentes financeiros oficiais para que deem sugestões de compartilhamento de risco de crédito, de arranjo, para operar.
Mas há a pressão da construção civil?
Sim. Eu disse para eles o seguinte: faixa 1 vocês precisam entender que não é má vontade; é que realmente não tem dinheiro. Estamos fazendo um esforço para não paralisar mais obras. Mas iniciar obras novas no faixa 1 agora é de uma inconsequência enorme. O que o governo está dizendo é que no faixa 1 não tem condição de abrir contratação nova. Não façam isso! Eu deixei isso claro na reunião de comunicação.
Fonte: O Estado de São Paulo