Há espaço para se questionar na Justiça a proposta da reforma da Previdência de tirar dos aposentados que trabalham o depósito e a multa indenizatória do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Para a consultoria de Orçamento da Câmara, é questionável incluir no texto um tema que já foi discutido no STF (Supremo Tribunal Federal) e que resultou em uma alteração de entendimento no TST (Tribunal Superior do Trabalho).
O ponto central da discussão foi a interrupção ou não do contrato de trabalho quando o funcionário se aposenta. Há ainda o risco de violação dos pontos intocáveis da Constituição Federal.
Roberto Dias, professor de direito constitucional da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas de São Paulo), considera a proposta uma violação de cláusula pétrea da Constituição.
São quatro as cláusulas que não podem ser alteradas por emendas; uma delas veta mudança na Constituição que resulte no fim de direitos e garantias individuais.
Dias afirma que o artigo 7º —que garante a indenização em caso de demissão— busca proteger o trabalhador.
“A mudança retira um direito fundamental de um trabalhador, que é a proteção em uma relação em que há certa vulnerabilidade. Mesmo que ele esteja aposentado, o direito deve permanecer.”
Segundo a Caixa, 907.966 aposentados trabalham na mesma empresa e, por isso, podem sacar mensalmente o dinheiro do fundo.
Quando discutiu o assunto, em 2006, o STF entendeu que a aposentadoria não interrompe o vínculo de trabalho. Em 2008, o TST publicou uma orientação jurisprudencial sobre o assunto, na qual afirmou que “a aposentadoria espontânea não é causa de extinção do contrato de trabalho se o empregado permanece prestando serviços ao empregador”.
Assim, na demissão sem justa causa, “o empregado tem direito à multa de 40% do FGTS sobre a totalidade dos depósitos efetuados no curso do pacto laboral.” Agora, o governo propõe incluir na Constituição a perda do direito à multa e ao depósito.
O secretário de Previdência do Ministério da Economia, Leonardo Rolim, disse, na entrevista coletiva de apresentação da reforma, que a mudança não afetará o direito adquirido ao depósito do FGTS. Portanto, quem já é aposentado manteria o direito ao FGTS, mas perderia a multa de 40% do saldo do fundo. Quem passasse a receber um benefício do INSS a partir da promulgação da emenda perderia o direito nos dois casos: o depósito mensal e a multa.
O pagamento dessa indenização é feito pelo empregador nos casos de demissão sem justa causa. O aposentado que segue na mesma empresa pode optar por retirar o dinheiro dos depósitos do FGTS mensalmente. Quando ele muda de emprego, o saque é feito somente ao fim do contrato.
Segundo o secretário, é necessário levar em consideração o fato gerador do pagamento. No caso da multa rescisória, a demissão gera o direito à indenização. Portanto, se o contrato do trabalhador foi rompido após a mudança na regra, valerá o novo entendimento. Nesse mesmo sentido, os depósitos de 8% seriam mantidos, pois o contrato de trabalho é o fato gerador do direito ao recurso do FGTS.
Esse entendimento permite também que não haja o pagamento do FGTS para quem já é aposentado nos casos em que houver mudança de emprego a partir da validade da reforma.
Procurada, a Secretaria de Previdência e Trabalho não respondeu até a noite desta quarta-feira.
O advogado Roberto Sodero Vitório, presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-SP, tem uma leitura ainda mais restritiva da proposta. Para ele, o texto permite a interrupção dos depósitos para quem já está aposentado, pois oficializaria o entendimento de rompimento da relação trabalhista. O fato de o tema já ter sido discutido no STF não impediria uma nova judicialização.
Para o professor de direito previdenciário Ivandique Rodrigues, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a alteração cria uma competição perversa no mercado de trabalho, pois terá um perfil de empregado a um custo menor para a empresa.
“Cria um desequilíbrio, porque você passa a ter um trabalhador mais barato e mais experiente.” Rodrigues diz que o tema deve acabar na Justiça se for aprovado como consta na PEC enviada pelo governo.
Ele também reforça a questão do artigo 7º da Constituição, que trata dos direitos do trabalhador, e não poderia ser alterado por emenda.