Um bancário mineiro acaba de receber R$ 1,2 milhão do Bradesco por ter desenvolvido quadros depressivos graves e burnout decorrentes da pressão diária pelo cumprimento de metas e resultados.
O valor inclui uma indenização de R$ 50 mil por danos morais, uma pensão e os salários que ele não recebeu no período em que não foi autorizado pelo médico da empresa a voltar ao trabalho, mas teve o auxílio-doença negado –o chamado limbo previdenciário, quando o profissional fica sem o salário e sem o beneficio do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
No processo que apresentou contra o banco na Justiça do Trabalho, o ex-funcionário contou que era cobrado diariamente em reuniões e conferências do cumprimento de metas que incluíam a venda de produtos a clientes.
Com frequência, segundo relatou na ação, essas cobranças vinham acompanhadas de gritos e tapas na mesa. Certa vez, disse, chegou a ser chamado de analfabeto por um superior.
Procurado pela reportagem, o Bradesco disse que não vai comentar.
Funcionário do extinto Bamerindus desde os 14 anos, o bancário tem hoje 50 anos e começou a acumular períodos de afastamento do trabalho a partir de 2016, sete anos depois da promoção ao cargo de gerente, e desde 2018 não retoma à função.
Atualmente, ele está aposentado por invalidez pelo INSS – o benefício foi concedido judicialmente em abril de 2021.
Além dos relatos feitos pelo trabalhador na ação, a Justiça do Trabalho ouviu outros bancários da mesma agência, que falaram de situações semelhantes, de cobranças diárias, gritos e exposição dos funcionários de maneira considerada vexatória e humilhante diante de clientes e colegas.
Para a juíza convocada Adriana Goulart de Sena Orsini, relatora do processo no TRT-3 (Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região), o conjunto de provas (depoimentos, laudos e relatórios médicos) permite afirmar que as condições de trabalho agravaram o quadro de saúde do bancário.
“[Ao bancário] era imposto um alto padrão de responsabilidade, tanto pela função de gerente, quanto pela cobrança excessiva de metas, além de jornada estendida”, escreveu, no relatório, “sendo possível avaliar o quanto as condições de trabalho possam ter interferido na saúde mental do reclamante.”
No TRT-3, a indenização por dano moral foi aumentada de R$ 20 mil, valor definido pela 3ª Vara do Trabalho de Pouso Alegre, para R$ 50 mil.
A advogada Lariane Del Vecchio, do escritório Aith, Badari e Luchin, que representou o trabalhador, diz que, no processo, foi importante demonstrar como, até a promoção de cargo, ele não manifestava quaisquer transtornos e era tido por colegas e subordinados como uma pessoa tranquila e disposta.
Para a defesa do trabalhador, o banco não só ignorou seu quadro psiquiátrico, como acabou tendo papel ativo na piora.
Quando estava em seu segundo período de licença médica, o bancário foi procurado por uma superior. Segundo a advogada, essa chefe pediu que ele retornasse ao trabalho e prometeu que ele seria transferido de função, o que nunca aconteceu.
“Hoje ele não consegue passar em frente ao banco. Vive em constante tratamento. Então é uma situação que afetou sua integridade física, além da psicológica”, afirma.
A pensão pedida pela defesa do trabalhador foi o que garantiu a ele o pagamento acima de R$ 1 milhão. O banco teve que pagar as diferenças mensais entre o benefício pago pelo INSS e o valor de seu último salário, calculados até ele completar 73 anos (a expectativa de vida média, segundo o IBGE).
“O pensionamento é necessário porque ele teve redução da sua capacidade de trabalhar. Não vai mais ter horas extras, não vai subir de cargo ou ter outras chances de promoção.”
Para a Justiça do Trabalho, o Bradesco foi omisso ao não disponibilizar condições adequadas de trabalho ao funcionário.
Em 1º de janeiro deste ano, a síndrome ganhou nova e mais detalhada descrição na CID-11 (Classificação Internacional de Doenças). De uma condição de saúde, ela passa a ser descrita como fenômeno ocupacional, no índice de “problemas associados com estar empregado ou desempregado”.
Fonte: Folha de S. Paulo