Por Aline Calamara (jornalista)
Está em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) um processo que poderá afetar diretamente todos os trabalhadores brasileiros. A decisão da corte no julgamento sobre a uberização, iniciado no dia 23 de fevereiro, irá determinar se trabalhadores de plataformas digitais são ou não empregados com direitos trabalhistas. O tema preocupa juristas e centrais sindicais, já que a decisão terá efeito vinculante, ou seja, se tornará regra legal e deverá ser seguida por juízes do país em todo processo trabalhista, independente da profissão.
Para Rodrigo Carelli, Procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) e Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a decisão vai muito além dos aplicativos e pode se transformar numa reforma trabalhista profunda, acabando com a proteção garantida pela atual legislação. “O que será emitida é uma decisão geral e por isso afetará todo trabalhador. Essa decisão poderá permitir contratos civis ao invés de contratos de trabalho, onde o que irá prevalecer é o que está escrito e não o que acontece de fato”, diz.
Rodrigo explica que essa mudança permitirá que empresas migrem seus funcionários para um contrato civil como autônomos, fazendo com que eles não tenham mais direitos trabalhistas como férias, 13º, licenças remuneradas, etc, apesar de continuarem com todas as obrigações de antes. “As empresas vão obrigar os trabalhadores a fazerem esse novo modelo de contrato, se quiserem continuar no emprego”, explica.
Para o especialista, os riscos são de menos empregos formais, queda de renda, aumento do trabalho escravo sem condições de serem verificados, mais acidentes e até mortes no trabalho, que não serão informados e não constarão nas estatísticas. A mudança também poderá sobrecarregar os hospitais públicos, já que muitas empresas não terão mais contrapartidas como planos de saúde.
Rodrigo alerta também para a impossibilidade de garantir direitos básicos. “Vai haver impossibilidade de defender direitos humanos básicos, direitos civis como questão de discriminação de raça, gênero e toda forma de discriminação que não poderá mais ser verificada, resultando numa total ineficiência da justiça do trabalho”, alerta.
Para Sandro Cezar, presidente da CUT -RJ, essa decisão do STF vai enfraquecer as relações trabalhistas e piorar a vida dos trabalhadores. “Essa decisão, se for adiante, segue a tendência lamentável de contratar o trabalhador como empresa, negando por completo os direitos do trabalho. Já estamos nos mobilizando com protestos pedindo o fortalecimento da Justiça do Trabalho. Não é possível o STF definindo temas que são da competência da Justiça do Trabalho, conforme previsto na Constituição”, diz.
Com o objetivo de sensibilizar o STF para essas questões que podem impactar negativamente a vida de milhões de trabalhadores, um grupo de cerca de 600 especialistas em Direito do Trabalho de 38 países assinou uma carta de solidariedade à legislação trabalhista brasileira, endereçada ao Supremo Tribunal Federal. O manifesto alerta para “possíveis consequências catastróficas”. Rodrigo Carelli, que está à frente dessa mobilização, explica que a carta assinada pelos especialistas em Direito do Trabalho assume um papel fundamental ao chamar a atenção dos STF para os riscos eminentes envolvidos em uma decisão que pode fragilizar as bases da legislação trabalhista brasileira.
“O STF está passando por cima do direito do trabalho e não somente do direito do trabalho brasileiro, mas como é construído o edifício do direito do trabalho no mundo inteiro. Então nós fomos buscar os maiores especialistas do mundo, são 38 países para mostrar que é uma questão mundial. É alertar o STF, alertar a população brasileira e a comunidade internacional sobre o que está acontecendo no Brasil, pois isso naturalmente vai acabar nas cortes internacionais de direitos humanos, já que o Brasil será um violador de direitos humanos, com consequência catastróficas”, afirma.
Fonte: Mídia Ninja