Com a atividade produtiva fragilizada, é o pior momento para aumentar impostos indiretos.
Ao falar sobre as medidas a serem adotadas pelo governo para reparar os estragos econômicos provocados pela covid-19, o ministro Paulo Guedes voltou a defender a recriação da CPMF, agora travestida de contribuição sobre pagamentos digitais, para financiar a desoneração total dos encargos patronais sobre a folha de salários. Com isso o ministro espera incentivar o emprego e reduzir a informalidade.
É incrível como a CPMF vai e volta nos planos da atual equipe econômica, apesar de todos os argumentos contrários já expostos por vários renomados economistas. Parece uma ideia fixa. No entanto, ela é completamente equivocada.
É enganoso o argumento de que tal tributo incide mais sobre as pessoas de alta renda, dado que estas realizam transações financeiras de elevado valor. Na verdade, trata-se de um tributo indireto, que onera o processo de produção e distribuição de bens e serviços, com incidência cumulativa em todas as suas fases. Quanto desse custo será repassado ao consumidor final depende das condições de oferta e demanda, tanto da economia como um todo como de cada setor específico. Ora, após a pandemia, com a maior parte das atividades produtivas fragilizada, é o pior momento para aumentar impostos indiretos.
Os efeitos nocivos da CPMF para a alocação eficiente de recursos e, portanto, para a redução da produtividade da economia já foram sobejamente discutidos, e não tratarei deles aqui.
A ideia de zerar a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos também é equivocada. Há, sim, justificativa econômica para reduzir tal incidência, mas sua extinção completa não pode ser feita. A previdência social deve ser, necessariamente, contributiva. Se assim não fosse, poderia haver arbitragens danosas ao equilíbrio financeiro do sistema, na medida em que se estimularia a declaração de salários superiores aos efetivos.
Além disso, a eliminação total dos encargos patronais incidentes sobre a folha de salários implicaria perda de receita superior a R$ 300 bilhões por ano, segundo minhas estimativas. Para ser compensada inteiramente pela CPMF, seria necessário que o novo tributo tivesse alíquota próxima a 1,5%. Pela sua natureza cumulativa, incidindo nas várias fases do processo produtivo, tal alíquota seria insuportável e geraria fortes estímulos à evasão fiscal e à desintermediação financeira.
Mas isso não invalida o argumento de que se taxa excessivamente o salário no Brasil. Se considerarmos as contribuições previdenciárias do empregado e do empregador, o FGTS, o seguro-desemprego e os vários penduricalhos como Incra, salário-educação e sistema S, essa tributação supera 40%, muito acima da média internacional, e se constitui em forte desestímulo para a formalização do trabalho.
No entanto, há formas mais inteligentes de financiar a redução desses encargos.
Entre elas, vale destacar a instituição do imposto sobre o carbono (carbon tax), defendido por instituições como o FMI, o Banco Mundial e por economistas renomados como Nicholas Stern e Joseph Stiglitz. Não é nada absurdo pensar numa arrecadação de 1% do PIB com tal tributo. Outras medidas que devem ser estudadas incluem o fim dos privilégios de profissionais de alta renda propiciados pelo atual regime de tributação pelo lucro presumido e a redução de pelo menos parte das renúncias fiscais.
Por fim, é preciso aprovar a PEC 45 (Imposto sobre Bens e Serviços). Ela não se propõe a aumentar a carga tributária, mas tem impactos positivos significativos no crescimento econômico, pois desonera investimentos, acaba com a guerra fiscal, simplifica o sistema tributário e melhora o ambiente de negócios. O economista Bráulio Borges (Ibre/FGV) estima que tal reforma provocaria aumento acumulado do PIB potencial de 25%, em 15 anos.
A área econômica do governo precisa abandonar suas ideias fixas e apoiar medidas que, de fato, estimulem o crescimento.
Por Claudio Adílson Gonçalez – ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA
(Fonte: Estadão)