A compra de vacinas contra a covid-19 pela iniciativa privada foi aprovada pela Câmara dos Deputados; projeto ainda será apreciado pelo Senado.
PL aprovado nesta terça-feira altera a Lei 14.125, aprovada em março e que permitia a aquisição de vacinas por empresas desde que fossem todas doadas ao SUS.
Em uma sessão com mais de cinco horas de duração, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça-feira (6) o texto-base do projeto de lei 948/2021, que permite a compra de vacinas contra a covid-19 pela iniciativa privada a fim de aplicá-las em diretores e funcionários de empresas. O PL, agora, será encaminhado para apreciação no Senado.
O longo embate começou por volta das 15h30 com a aprovação de requerimento de urgência de tramitação do projeto. Durante todo o dia, a oposição foi para a estratégia de obstrução por meio de requerimentos, mas pouco antes das 21h a proposta, apresentada pelo deputado Hildo Rocha (MDB-MA), foi aprovada via substitutivo da deputada Celina Leão (PP-DF). Foram 317 votos a favor e 120 contra.
Após a aprovação do texto-base, passou-se a debater e votar destaques apresentados durante a sessão.
Fura-fila da vacina
O PL altera a Lei 14.125, aprovada em março e que permitia a aquisição de vacinas por empresas desde que fossem todas doadas ao SUS. Com a nova redação, as empresas podem aplicar metade das doses compradas nos diretores e funcionários.
O deputado federal e ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (PT-SP) critica o novo texto dizendo que ele abre espaço para as pessoas furarem a fila da vacinação. “Um banqueiro de 50 anos de idade vai tomar a vacina antes que uma pessoa de 65, 63, 64 anos. Vários que estão esperando na fila de vacinação vão, por ato do Congresso Nacional, ver o seu lugar ser ultrapassado por um banqueiro que tenha dinheiro”, diz.
Ele continua. “Um funcionário desse banqueiro que tenha, por exemplo, 40 anos de idade, vai passar na frente de uma pessoa que também tem 40 anos de idade, mas tem doença cardíaca, doença pulmonar, diabetes ou alguma complicação que o faria estar à frente”.
Além disso, Padilha afirma que o substitutivo aprovado “vai colocar o Brasil na lista vergonhosa de permitir, no meio da maior pandemia de nossa história, que o poder do dinheiro possa fazer as pessoas furarem a fila”.
Insegurança sanitária
Um outro ponto chamou a atenção do sanitarista Florentino Júnio, especialista em Atenção Básica e em Políticas Públicas. Em sua conta no Twitter, ele explica que o PL “fere a importância da segurança sanitária, pois permite vacinas aprovadas por diversas autoridades sanitárias e sem a eficácia comprovada”.
Ele continua: “você pode me falar que o PL fala de autoridades sanitárias reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde, mas aí que está o pulo do gato. Até agora, sempre falávamos de que a Anvisa deveria priorizar e atuar com celeridade em pedidos aprovados por autoridades sanitárias reconhecidas pela OMS e com maturidade IV, agora não falam mais de nível de maturidade e nem de reconhecimento da OMS. É arriscado, é perigoso e medidas como estas devem acentuar e piorar a crise, que só hoje matou mais de 4 mil brasileiros“.
Mais desigualdade
Ainda antes do início dos trabalhos no plenário, o líder o PT na Câmara, deputado Bohn Gass (PT-RS), já deixava clara a posição do partido. “Esse negócio de vacina privada por fora do SUS e sem obedecer grupos de risco é muito característico da elite endinheirada. Aquela mesma que, durante 300 anos, manteve o povo negro escravizado no Brasil”, escreveu em sua conta no Twitter.
Já no plenário, ainda nos discursos gerais preliminares realizados antes do iníco da sessão, mais contrariedade. “Nós precisamos ter vacinas massivas pelo SUS e não por empresas privadas. Isso é a consolidação do fura-fila”, falou Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Depois, durante a sessão, a deputada e médica afirmou que se o Congresso permitir a priorização do setor privado, “não é a farmácia que vai comprar pro seu caixa. Não é uma empresa pequena que vai comprar para o seu padeiro, pro seu trabalhador”, disse. “Veja em Belo Horizonte quem foi que tomou a falsa vacina, foi o ex-senador milionário”.
Já Gleisi Hoffmann (PT-PR) falou que deveria estar sendo discutido na Câmara não a autorização para empresa privada comprar vacina. “Nós devíamos estar na Casa, aqui, discutindo as vacinas que não foram compradas pelo governo federal. Essa Casa não pode colaborar com o processo de desigualdade que nós já temos no Brasil. Nós não podemos de novo entrar nesse processo em que os mais pobres estão para trás. Já estão para trás na renda, já estão para trás no atendimento e não podem ficar para trás nas vacinas”, criticou a parlamentar.
Universalidade e gratuidade
Talíria Petrone (PSOL-RJ), líder do partido, lembrou que “hoje o setor privado já pode comprar vacina, desde que doe 100% para o SUS enquanto durar a vacinação dos grupos prioritários”. Ela se referia à Lei 14.125, oriunda da aprovação do PL 534/2021 no início de março. “O que está se querendo aqui é furar fila. Possibilitar que sejam vacinadas pessoas que não estão dentro das prioridades do Plano Nacional de Vacinação”.
O líder da minoria, Marcelo Freixo (PSOL-RJ), reforçou: “a rede privada pode comprar vacina? Pode, já tem lei pra isso. Compra e entrega pro SUS. O que a gente está contrário é que se compre e que se faça um brasileiro, que tem comorbidade, tomar a vacina depois. É isso que é indefensável”, disse o parlamentar. “Se a rede privada quer ajudar, compra e entrega (ao SUS), para que o critério da universalidade e da gratuidade, que são pilares do SUS, possam ser garantidos.”
Fonte: RBA – Por André Rossi