Pedro Guimarães deixou a presidência da Caixa após diversas acusações de assédio sexual e moral.
Por Agência O Globo
Empregados do banco dizem que foram removidos da função sem justificativa; ex-presidente nega qualquer irregularidade e banco diz colaborar com as investigações.
Funcionários da Caixa Econômica Federal relatam que perderam cargos por retaliação sob a gestão do ex-presidente do banco público Pedro Guimarães — uma prática que, segundo especialistas, viola a impessoalidade da administração pública. Demitido por denúncias de assédio sexual na instituição, Guimarães nega ter praticado qualquer irregularidade.
O advogado do banco Sebastião Barza relata que perdeu sua função de consultor jurídico, em fevereiro de 2020, por ter vindo à tona o fato de ter se filiado ao PT em 1997, antes de entrar no banco. Barza afirma ter ouvido que precisaria trabalhar em outro prédio para que ninguém corresse o risco de “trombar com um esquerdista pelos corredores“.
“O que me foi dito é que, em razão disso (da filiação), eu perderia minha função de consultor jurídico, porque não se admitiriam esquerdistas dentro da matriz. E que, para dar continuidade ao meu trabalho, teria que continuar em outro prédio, para que o presidente e as outras pessoas não topassem com esquerdistas nos corredores“, disse Barza, que afirma nunca ter feito militância política dentro do banco e que se desfiliou do partido.
Após ser comunicado da perda de função, Barza voltou para a Bahia, seu estado de origem. Era seu direito como funcionário que havia perdido o posto na matriz.
“O que me foi dito é que as listas (com filiados ao PT) vinham do Palácio do Planalto e perpassavam todas as estatais. Uma lista de pessoas que não eram desejadas, e que eram distribuídas aos gestores para que tomassem as providências de retirada das funções”, afirmou Barza.
O funcionário acredita que o medo de retaliações fez com que não fossem formalizadas denúncias na época.
“Esse medo coletivo, em uma fase em que o governo estava forte, foi o que determinou que as pessoas se calassem e não denunciassem. Nós intuímos que isso seria abafado, pela força do governo na época e pela tônica. E que isso poderia se voltar contra a gente. Agora que estourou, que o Pedro Guimarães caiu, as pessoas podem tomar um pouco mais de coragem“, disse.
Em uma reunião no fim do ano passado, o ex-presidente da Caixa se revoltou contra uma regra que impediria sua participação em mais de dois conselhos. Na prática, o novo estatuto o faria perder uma gratificação de R$ 100 mil por mês.
“Todas as pessoas que leram isso vão explicar por que aprovaram isso. Porque isso aí não existe. Se não, fico eu sozinho, e o pessoal falando que eu quero ganhar dinheiro em cima do banco. Então, assim… Eu quero avaliação do Gryecos (Loureiro, diretor jurídico)”, afirmou Guimarães, em áudio revelado pelo portal “Metrópoles” .
Uma das pessoas que participaram da elaboração da nova regra foi Eduardo Pereira, advogado da Caixa, que perdeu seu cargo logo em seguida. Procurado, ele confirma que, depois da reunião, foi avisado que foi removido da sua função de assessor da direção.
“Tenho desconforto em falar desse assunto. Mas efetivamente perdi minha função e a informação que me foi dada é que perdi a função por esse motivo“, conta Pereira, que diz ter sido avisado pelo atual diretor jurídico do banco, Gryeco Loureiro.
“Ele (Loureiro) me relatou que essa situação teria desagradado o presidente e, em função disso, minha função estava sendo retirada, mas com a preservação do valor da minha função (salário)”, acrescentou.
A mudança no estatuto em que trabalhou Pereira foi feita para seguir a Lei das Estatais, que proíbe a participação em mais de dois conselhos. Após a revelação do áudio, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU) pediu uma investigação sobre o acúmulo de cargos de Guimarães, que estava em 21 conselhos.
Em resposta, a Caixa disse que “todas as informações serão encaminhadas para análise da Corregedoria do banco, bem como pela empresa independente a ser contratada pela nova gestão“.
A defesa de Pedro Guimarães nega que ele tenha envolvimento na remoção das funções dos funcionários. “Pedro Guimarães nunca tomou conhecimento do ocorrido. Jamais praticou, estimulou ou autorizou qualquer ato que possa ser caracterizado como perseguição“, disse José Luis Oliveira Lima, advogado de Guimarães, em nota.
Gryecos Loureiro nega que tenha removido funções de funcionários por motivos ideológicos ou a mando de Pedro Guimarães e diz que se trataram apenas de “decisões internas da diretoria jurídica”.
Para Vitor Schirato, professor de direito administrativo da Universidade de São Paulo (USP), a prática de tirar funções de empregados que desagradem a cúpula da empresa fere o princípio da impessoalidade.
“No emprego público, tem que ter aptidão da pessoa para o cargo ou função, e o gestor não pode remover só porque não gosta. Se a pessoa está na função e é qualificada para aquilo, ela não pode ser removida“, disse Schirato,
“A gestão da empresa teria a obrigação de impedir que isso acontecesse”.
Para Vera Chemin, especialista em direito público pela Fundação Getulio Vargas (FGV), a retirada de cargos nesse caso fere o princípio da impessoalidade.
“Embora o cargo seja de livre nomeação, esse caso fere o princípio da impessoalidade. Não é possível discriminar um empregado público por questões pessoais ou político-ideológicas“, completou.
Fonte: Brasil Econômico