Os sócios Bradesco e Banco do Brasil tentam aparar arestas e superar a crise sem precedentes desencadeada pelas constantes mudanças no comando do banco público no governo de Jair Bolsonaro que, na semana passada, levaram à inesperada saída do presidente da Cielo, apurou o Broadcast. Amarrada por vários ‘elos’ no setor de pagamentos, a sociedade passou a enfrentar mais volatilidade por unir um ente privado e outro público, que mudou de posicionamento em relação ao negócio com o embarque da equipe de viés mais liberal do ministro Paulo Guedes. De lá para cá, houve tentativas malsucedidas de desinvestimentos, dentre eles a empresa de maquininhas, e novas trocas de rotas para o negócio.
Bradesco e Banco do Brasil são sócios em sete empresas. Os negócios estão agrupados na holding Elopar, com exceção da Cielo. A sociedade de 26 anos teve início em 1995, no primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso, justamente com a criação da Cielo, chamada de VisaNet, na época. De lá para cá, os negócios se multiplicaram, principalmente no fim do primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff. A justificativa era explorar ganhos de sinergia para ambos os sócios.
A chegada da turma de Guedes, com a promessa de desinvestimentos e redução da máquina pública, colocou a sociedade entre Bradesco e BB na berlinda. O mandato do economista Rubem Novaes, primeiro escalado para tocar o BB na gestão do presidente Jair Bolsonaro, trazia a determinação de venda de ativos como a Cielo, o que gerou custos para estruturar o desmonte sugerido pelo sócio – e cansaço no Bradesco, relatam fontes, na condição de anonimato.
O assunto esteve na pauta da primeira conversa entre o novo presidente do BB, Fausto Ribeiro, com o do Bradesco, Octavio de Lazari. Os dois teriam se encontrado no mês passado, durante passagem do executivo do banco público por São Paulo, diz uma fonte próxima. Um encontro também teria ocorrido com o chairman do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi.
Dentre os temas debatidos, conforme fontes, os sócios teriam conversado sobre a crise na relação e os gastos gerados com a avaliação dos ativos devido à vontade do BB de se desfazer da sociedade e sair das empresas. Espécie de ‘shake hands’, acerto entre os sócios, o encontro serviu de pontapé para a reformatação da parceria.
Sócios devem desistir de venda da Cielo
Diante de uma relação desgastada, Bradesco e BB tentam, agora, iniciar um novo ciclo, relatam fontes próximas aos sócios. A ideia de vender a Cielo, que chegou a atrair interessados para a fatia do banco público, por exemplo, foi descartada. Agora, o negócio voltou a ser visto como essencial para o BB, segundo essas fontes. O mesmo vale para os demais ativos, que devem ser mantidos na sociedade com o Bradesco. A prioridade, dizem, é explorar maiores ganhos dos negócios já selados.
A notícia de que a Alelo, de benefícios, vai atuar começar a atuar n setor adquirência, deixando a irmã Cielo de lado, porém, deu esperanças ao mercado quanto à possível separação dos sócios. Como consequência, a líder das maquininhas viu seu valor aumentar em R$ 1 bilhão na bolsa, para R$ 11,4 bilhões. Fontes próximas aos sócios reforçam: a chance de uma separação e desinvestir a Cielo no curto prazo é tipo ‘zero’.
O desgaste entre os sócios Bradesco e BB ficou claro com o pedido de renúncia do presidente da Cielo, Paulo Caffarelli, na semana passada. O executivo, que construiu carreira no BB e foi secretário da Fazenda na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, não era visto como um aliado do Planalto e vice-versa. Diante de várias tentativas para removê-lo do cargo, conforme revelou o Broadcast, ele pediu para sair, evidenciando ainda mais a pressão política do governo Bolsonaro sobre as empresas estatais.
Apesar da ânsia do Centrão pelo cargo, foi escolhido o vice-presidente da Cielo, Gustavo Sousa, para suceder Caffarelli. A indicação vem a reboque de uma tentativa do governo Bolsonaro, sob as mãos do PP, presidido por Ciro Nogueira, de emplacar o presidente do Desenvolve-SP, Nelson de Souza, para a adquirente. Seu nome, porém, foi rechaçado pelo Bradesco, cujo mandato é barrar qualquer indicação política nas empresas em sociedade com o BB, de acordo com fontes.
“Há um desgaste na relação. Em 25 anos de parceria, nunca o Bradesco recebeu pedido político para absorver alguém. Antes, o Banco do Brasil resolvia isso nas suas empresas”, diz uma fonte próxima aos sócios, que prefere o anonimato.
Sem sucesso na Cielo, outra revela, haver ainda um esforço de colocar Nelson de Souza, que presidiu a Caixa e o Banco do Nordeste, em alguma posição de destaque no BB para agradar ao PP. Em meio a questionamentos sobre indicações políticas para as coligadas do BB, o novo presidente do banco tem dito a aliados que sua gestão vai priorizar perfis técnicos.
Consultoria de recrutamento deve ajudar escolher candidatos
Seu posicionamento, afirma um deles, é fazer processos oficiais para preencher cargos de liderança nas empresas coligadas. Assim, Bradesco e BB consideram fazer uma seleção formal, antes de bater o martelo para o comando definitivo da Cielo, dizem duas fontes. A ideia é contratar uma consultoria internacional de peso como Spencer Stuart ou Korn Ferry para colocar um executivo de “primeira linha” no comando da empresa de maquininhas. O nome de Gustavo Souza, dizem, estará nesse processo, cujo objetivo é identificar um perfil jovem e antenado à tecnologia para capitanear a transformação da Cielo, alvo de forte ataque da concorrência.
“O foco é fortalecer, reconstruir a parceria. Os sócios querem resgatar o que tinham, uma parceria estratégica entre as duas instituições”, diz uma fonte próxima a um deles.
Do lado das indicações de executivos, apesar do desgaste na relação com o Bradesco, o BB tenta retomar os bons tempos, em que ambos não entravam em bolas divididas, e deixar o passado para trás. Como a nova gestão trocou toda a alta cúpula, negocia com o sócio posições para reacomodar executivos que não se aposentaram.
Um deles é o atual presidente da BB Seguridade, Marcio Hamilton. Depois de ter sido preterido para cargos de liderança nas empresas dos sócios, ele deve assumir a cadeira de vice-presidente de finanças (CFO, na sigla em inglês) na bandeira Elo, sociedade de BB, Bradesco e Caixa, de acordo com duas fontes, auxiliando em sua abertura de capital. Outro nome que circula nos bastidores é o do ex-vice-presidente de tecnologia do BB, Gustavo Fosse. Especula-se que ele vá para a Cielo. Falta, ainda, bater o martelo.
Cansado do vai e vem do governo Bolsonaro e os reflexos nos negócios em sociedade com o BB, o Bradesco tem sido taxativo e dito não a quaisquer nomes com sinais de indicação política, afirma uma fonte. “Esse governo decepcionou”, diz.
Os desdobramentos da parceria entre Bradesco e BB têm sido acompanhados de perto por analistas de mercado, que demonstram ceticismo quanto ao futuro do casamento depois da crise instalada pelos liberais. A troca de comando na Cielo só fez jogar lenha na fogueira. “Que a relação está desgastada é fato, mas qual a solução? Essa é a questão”, afirma um deles, na condição de anonimato.
Outro, que também prefere não ser mencionado, questiona a situação da Cateno, empresa que faz a gestão da operação de cartões do BB e que foi comprada pela Cielo. “É um imbróglio”, diz.
Na gestão de Rubem Novaes, a venda da Cateno, feita durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, era considerado um erro. Essa posição também já havia sido defendida por alguns executivos no fechamento do negócio. De lá para cá, porém, a empresa vem perdendo importância com o avanço dos meios de pagamentos e em meio à transformação tecnológica do setor com a chegada do Pix, open banking.
Para a administração atual do BB, de acordo com uma fonte, não faz sentido investir na Cateno. Nesse sentido, conversas de troca de ações da empresa por papéis da Cielo, que chegaram a ocorrer em um passado recente, foram deixadas de lado.
Procurado, o Bradesco afirmou que a parceria com o Banco do Brasil é “uma referência de sucesso”. “Consideramos que o momento requer foco e união para o enfrentamento dos relevantes desafios do mercado”, acrescentou.
Já o BB disse que tem uma “sólida parceria” com o Bradesco, que “sempre resultou em produtos e serviços de alta qualidades para seus clientes e ótimos resultados para os sócios”. “O Banco do Brasil acredita na parceria, certo que ela continuará contribuindo para o fortalecimento das duas instituições, para a geração de negócios sustentáveis e para a melhoria continua da experiência dos clientes”. A Cielo não se manifestou.
Fonte: Estadão (Por Aline Bronzati)