A promessa da terceirização: atrasos, assédio moral, salários defasados e empresas que somem.
(Por Luís Eduardo Gomes)
Recentemente o Supremo determinou que a terceirização irrestrita é lícita e constitucional, mas a realidade de uma das políticas que o governo Temer mais se orgulha aponta para outra direção
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou no dia 30 de agosto que a terceirização irrestrita, sancionada em lei por Michel Temer (MDB) em 2017, é lícita e constitucional, o que significa que empresas e o setor público poderão contratar intermediárias para gerir seus recursos humanos em todas as atividades. A decisão extingue uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que permitia apenas a terceirização da chamada atividade-meio, isto é, aquela que não é a principal do contratante.
A promessa da lei é trazer segurança jurídica para empregadores e ajudar no combate ao desemprego. Os críticos, porém, alertam para o risco de precarização de postos de trabalho e demissões em massa de profissionais que atualmente são contratados diretamente. Nem uma semana depois da decisão, Porto Alegre viu, no último dia 5, a mantenedora do Hospital Mãe de Deus anunciar a demissão sumária de mais de 300 profissionais. No dia seguinte, terceirizados já estavam atuando em seus lugares.
O que o trabalhador pode esperar dessa mudança? Um dos setores em que praticamente toda a contratação é terceirizada é o de vigilantes e segurança. É quase impossível ir a um banco hoje e ver um agente uniformizado com o logotipo da dona da agência, pois, via de regra, estes profissionais são vinculados a uma terceira. O mesmo ocorre praticamente em todo o setor público, visto que esta é uma atividade que já era considerada como meio, portanto, passível de terceirização.
A direção o SindiVigilantes do Sul, que representa a categoria no RS, narra um quadro duro no tratamento dispensado aos trabalhadores. Coordenador-geral do sindicato, Jackson Fernandes diz que as principais reclamações dizem respeito a atrasos de salário, de vale-transporte e vale-refeição, supressão de horas, escalas absurdas e assédio moral. “É cala boca, fica quieto, tu faz isso e pronto”, afirma. Segundo ele, os problemas são sistemáticos e generalizados em todo o setor, dando para se “contar nos dedos” as empresas sérias que atuam em Porto Alegre.
Diretor de Comunicação do SindiVigilantes, Ivo Gomes aponta que os maiores problemas verificados pelo sindicato ocorrem quando as empresas terceirizadas prestam serviço para o poder público, com os problemas começando já na contratação, usualmente realizada por meio de pregão eletrônico. “O pregão é sempre por preço mais baixo. Qualquer empresa picareta existente aí no mercado, que não são poucas, tem a grande facilidade de fazer um novo CNPJ e conseguir atuar. Ou colocar um laranja. Às vezes, troca a empresa, mas tu vai ver são as mesmas pessoas que trabalhavam antes”, diz.
Uma nota técnica divulgada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em março de 2017, elaborado a partir de dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), constatou que os salários nas atividades terceirizadas são, em média, 23,4% menores do que na contratação direta, que a rotatividade é duas vezes maior, as jornadas de trabalho são mais longas e há mais afastamentos por acidentes de trabalho.
Ivo afirma que o sindicato já está “cansado” de fazer ofícios para empresas, para o setor público e para os órgãos de fiscalização do trabalho sobre as más condições nas terceirizadas. Problemas que vão de falta de água potável, falta de luz, falta de aparelhos para o trabalhador esquentar alimentos ou comércio próximo para comprar comida.
“O cara recebe vale-alimentação, pode comprar comida, fazer em casa e levar. Mas chega no posto e não tem condições nenhuma. Não tem fogão, geladeira. A empresa deveria cobrar do contratante”, diz Ivo. A reportagem teve acesso a uma série de ofícios encaminhados para uma prestadora de serviços terceirizados que tem diversos contratos com a Prefeitura de Porto Alegre. A pedido dos dirigentes sindicais, o nome da empresa e do órgão de atuação não serão divulgados nessa reportagem.
‘Vai procurar teus direitos na Justiça’
Jackson conta que o assédio moral é um dos principais problemas no setor, com as contratantes exigindo que o vigilante se comporte como um “robô”. Ele diz que, em um grande hospital localizado em um bairro nobre da Capital, os vigilantes são proibidos de falar e dar informações aos pacientes, devendo apenas encaminhá-los para outras pessoas. Há também o problema de que qualquer saída do lugar, para ir ao banheiro, por exemplo, pode configurar abandono de posto e levar a uma demissão por justa causa.
“Tem um caso de um colega que estava em um shopping de Canoas e me ligou. ‘Olha aqui, to há mais de duas horas pedindo para ir ao banheiro e o cara não vem. Acabei de me urinar todo nas calças’. Isso acontece porque tem empresas que trabalham só em cima da justa causa e o trabalhador depois vai ter que cobrar da Justiça, que é lenta”, diz.
Segundo Ivo, depois da reforma trabalhista, ficou ainda mais difícil reclamar os direitos sonegados na Justiça. Ele conta que a sala do setor jurídico do sindicato andava sempre cheia, mas o movimento reduziu muito pelas dificuldades impostas pela reforma para as contendas trabalhistas. “É menos da metade”, diz Jackson. “Existe uma intimidação sobre o trabalhador referente a essa situação, porque ele não se sente livre para buscar os seus próprios direitos”, complementa, salientando que o medo é de perder a ação e ter de pagar honorários.
Fonte: GGN