A cirurgia reduz as chances da doença; é indicada para mulheres com predisposição
Aos 23 anos, a coordenadora de projetos, Evelin Scarelli, foi surpreendida com o diagnóstico de câncer de mama. Sem histórico familiar da doença, a jovem teve dois tumores diferentes na mama esquerda, e logo iniciou o tratamento para combatê-los.
Dois anos mais tarde, Evelin foi surpreendida com o diagnóstico da doença mais uma vez, mas agora era sua mãe que enfrentaria todo o tratamento contra o câncer de mama.
A doença de mãe e filha acendeu o alerta dos médicos que as acompanhavam — existia a possibilidade de os tumores terem origem genética. Para a comprovação ou não da suspeita foi solicitada a análise genética de mãe e filha para detectar se elas tinham mutação no gene BRCA1 ou BRCA2.
E as suspeitas dos médicos se confirmaram. Evelin foi diagnosticada com uma mutação no gene BRCA1 aos 25 anos e com o diagnóstico veio a informação de que ela tinha cerca de 85% de chance de ter um novo câncer de mama.
Sem pensar muito, a coordenadora de projetos decidiu passar pela cirurgia de retirada dos seios para diminuir os riscos da doença. A cirurgia redutora de risco ou mastectomia preventiva, como é conhecida, diminui de 90 a 95% as chances de um paciente que possui a mutação do gene ter um câncer de mama.
“Retirar as mamas é uma decisão muito difícil porque é um procedimento irreversível, já que estamos falando da retirada de um órgão. Mas eu, que já havia passado por um tratamento, vi minha mãe também enfrentar um câncer e encarei a retirada das mamas como a chance de eu assumir o papel de protagonista da minha vida e não deixar que a doença me dominasse”, conta.
Na época do diagnóstico, Evelin e o marido se preparavam para realizar uma FIV (Fertilização in Vitro) e, assim, tentar realizar o sonho de ter o primeiro filho. Além do medo da doença, veio a preocupação de não poder amamentar, algo que vinha sendo muito aguardado e planejado por ela.
“As falas sobre a amamentação são muito pesadas, a sociedade impõe que para ser mãe você precisa dar o peito e falta sensibilidade com as mães que não fazem isso. A amamentação é muito mais que isso, é um elo de coração para coração. Ainda há muita desinformação e é uma barreira que precisa ser quebrada”, diz Evelin.
Logo após a retirada dos dois seios, Evelin passou pela cirurgia de reconstrução das mamas com a colocação de próteses e ficou com os movimentos limitados nos meses que se seguiram. No ano passado, após a segunda FIV, o sonho de ser mãe foi realizado e seu primeiro filho nasceu.
“Passei por duas fertilizações, a primeira era uma menina e o embrião não se desenvolveu. Na segunda tentativa conseguimos ter nosso filho Bento. Retirar meus seios foi uma decisão tomada com muita segurança. Eu queria fazer o procedimento para conseguir celebrar a vida do meu filho e poder ter a chance de vê-lo crescer”, afirma.
‘NÃO SOU MENOS MULHER POR NÃO TER SEIOS’
Foi também após enfrentar um câncer de mama em 2020 que a manicure Esther Marília da Silva Oliveira, de 37 anos, descobriu ter a mutação do gene BRCA1. Depois de dois anos de tratamento com quimioterapia e radioterapia, os médicos solicitaram o mapeamento genético por precaução e veio o diagnóstico.
“Meu médico me chamou para uma conversa e explicou sobre a mastectomia preventiva, que reduzia muito a chance de eu ter novamente a doença, eu abracei a ideia de fazer o procedimento e retirar meus dois seios”, lembra.
A manicure, que tem um enteado, afirma que não tinha o desejo de ser mãe e que a retirada das mamas não a afetou nesse aspecto. O procedimento, que também incluiu a retiradas dos ovários e das trompas, foi feito em fevereiro deste ano e inicialmente Esther optou pela não colocação de próteses nos seios.
“Encarei a cirurgia de maneira muito natural, porque o que eu queria era a minha cura, ter uma vida com qualidade e longa. Eu queria tirar de mim a possibilidade de ter um novo câncer”, conta.
Apesar da convicção de sua decisão, a manicure recorda que não contou sobre o procedimento de retirada de mamas para seus amigos e familiares para evitar julgamentos e opiniões contrárias à sua decisão que pudessem impactar seu emocional.
“A única pessoa que me preocupava era meu marido e ele me apoiou a fazer a cirurgia sem a reconstrução dos seios. É uma nova fase para o casal e a gente vai se acostumando com a nova vida. Me sinto bem assim e por isso não penso em reconstruir os seios. Não sou menos mulher por não tê-los”, afirma.
‘SÉRIE DA NETFLIX ME AJUDOU A DESCOBRIR A MINHA MUTAÇÃO’
Desconhecendo a mutação do gene BRCA1 e BRCA2, que aumenta as chances de uma pessoa ter o câncer de mama, a publicitária Stefania Dominique Carnevale de Luca, de 26 anos, descobriu que poderia sofrer com o problema ao assistir a uma série da Netflix chamada The Bold Type.
Após ver os episódios em que a personagem principal e a mãe tiveram câncer de mama, ela decidiu investigar a própria genética, já que sua mãe havia enfrentado a doença recentemente.
“Eu não sabia que existia essa mutação e a série me alertou para isso. Quando descobri que eu era mutada, eu fiquei aflita, em choque e a primeira coisa que me passou pela cabeça foi que eu não queria ter câncer. Eu sabia que para isso eu precisava ter uma atitude, independente de qual fosse a possível consequência”, recorda.
Inicialmente, a publicitária, com o médico que a acompanha, optou pela retirada das mamas com a reconstrução dos seios com próteses. Porém, duas semanas após o procedimento, Stefania teve complicações devido à cirurgia e precisou retirar as próteses, ficando sem seios.
“Eu tive um momento de luto, por dois dias só chorei porque eu teria que ficar alguns meses sem peito e isso me dava muito medo. Mas logo me recuperei, passei a agradecer pela minha saúde e por poder levar uma vida normal, fazendo tudo o que mais gosto, como correr, pedalar e viajar. Aos poucos fui amando o meu novo corpo”, afirma.
Em dezembro, a publicitária passará por uma nova cirurgia para a colocação de próteses nos dois seios. Além da mudança estética, a detecção da mutação genética fez Stefania adiantar os planos de ter filhos para o ano que vem.
A maneira mais segura de pacientes com mutação genética ter filhos, segundo os médicos, é através da fetilização in vitro, dessa forma é possível prevenir que o gene mutado passe para o bebê.
“Pode ser que futuramente eu tenha que retirar as trompas e os ovários, por isso pretendo ter filho logo. Quando fui retirar as mamas, uma das minhas preocupações foi com relação à amamentação. Mas eu busquei por uma consultora em amamentação para entender como é a alimentação de um recém-nascido com fórmula e ela me tranquilizou. Então decidi abrir mão da amamentação em prol da minha saúde”, explica.
‘FALTA DE APOIO ME FEZ DESISTIR DA CIRURGIA’
A decisão de retirar as mamas na maioria das vezes não é fácil e pode abalar o psicológico das mulheres. Foi o que aconteceu com a técnica em enfermagem Amanda Dias Ruivo, de 26 anos.
Após a mãe e as tias serem diagnosticadas com câncer de mama, o hospital solicitou que a técnica em enfermagem fizesse o mapeamento genético para analisar a probabilidade de Amanda também ter a doença no futuro.
“Fiz o exame em 2019 e fui diagnosticada com a mutação BRCA1. Na época eu já tinha alguns nódulos no seio, mas depois da biopsia ficou constatado que não eram tumores”, conta.
Amanda foi informada pelos médicos sobre a cirurgia de retirada das mamas e decidiu que faria o procedimento. No entanto, com a proximidade da data, que seria esse mês, ela desistiu do procedimento optando por fazer acompanhamento médico e exames semestralmente para verificar o surgimento de nódulos.
“Na minha família, minhas primas não quiseram fazer o mapeamento genético e me olham como se eu estivesse procurando doença. Eu tive muita falta de apoio das pessoas nesse processo porque elas não enxergam como prevenção. Além disso, a questão estética foi algo que pesou, não tem como negar. Não consigo me imaginar sem meus seios e por isso decidi adiar a cirurgia até eu me sentir preparada para o procedimento”, conta.
Como Amanda é portadora do gene que pode se manifestar a qualquer momento, além do acompanhamento médico regular, ela também tem restrição com relação ao uso de anticoncepcional e medicamentos que afetem seus hormônios.
MUTAÇÃO BRCA1 E BRCA2
Ter a avó, mãe ou irmã com câncer de mama não significa que a mutação está presente. Apenas 0,2% da população tem mutações no gene BRCA1 e BRCA2, e cerca de 0,1% tem a mutação em um deles.
A mutação no BRCA1 aumenta em aproximadamente 40% o risco de a pessoa desenvolver câncer de mama. Já a mutação no BRCA2, também aumenta os riscos de câncer de mama em 40% e o de ovário, de 12% a 15%.
A cirurgia redutora de risco ou mastectomia preventiva — como a feita por Evelin, Esther, Amanda e tantas outras mulheres — pode reduzir em até 95% o risco de câncer de mama.
A garantia não é de 100% porque é possível que um tumor se desenvolva em algum resquício de tecido mamário ou nos ductos mamários. A colocação de prótese pode ser feita na mesma cirurgia em que as mamas são retiradas ou a paciente pode optar pela não colocação das próteses.
“Quando de origem genética, o câncer de mama afeta as gerações subsequentes cada vez mais cedo, em um intervalo de oito a dez anos”, explica Vilmar Marques, médico e membro da Sociedade Brasileira de Mastologia.
“Por exemplo, se a mãe teve câncer aos 40 anos, é possível que a filha tenha o tumor aos 30; por isso, é importante ficar atento à genética familiar e em caso das mutações BRCA recomendamos que o acompanhamento seja feito a partir dos 25 anos. Além disso, para a retirada da mama a paciente deve ter acompanhamento psicológico para evitar que ela sofra de transtornos no futuro.”
COMO PREVENIR O CÂNCER DE MAMA
O câncer de mama é o tipo que mais acomete mulheres em todo o mundo. No Brasil, foram estimados 66.280 novos casos da doença para 2022, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca).
Descobrir um câncer de mama precocemente é muito importante e aumentam consideravelmente as chances de cura da doença. Quando diagnosticado em estágio 1 as chances de cura chegam a 95%, e os tratamentos, em geral, são menos invasivos, ao contrário dos demais estágios.
Ter uma alimentação equilibrada e praticar exercícios físicos regularmente são recomendações básicas para prevenir o câncer de mama, já que o excesso de peso aumenta o risco de desenvolver a doença, segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia.
Ainda não há certeza da associação do uso de pílulas anticoncepcionais com o aumento do risco para o câncer de mama. Mas, podem estar mais predispostas a ter a doença mulheres que usaram contraceptivos orais de dosagens altas de estrogênio, que usaram a medicação durante anos e as que começaram a usar anticoncepcional em idade precoce, antes da primeira gravidez.
Fonte: Folha de São Paulo