Crise econômica, home office e falta de controle foram fatores que turbinaram a alta.
As consequências da pandemia de Covid-19 nas relações trabalhistas começam a chegar aos tribunais. Um ranking elaborado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostra que, entre os assuntos com mais reclamações, os primeiros da lista são não pagamento de verbas como a multa de 40% sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), devida em casos de demissão sem justa causa e calculada sobre o saldo da conta, a multa por pagamento das verbas rescisórias e das horas extras fora do prazo, e o aviso prévio (veja o ranking completo abaixo).
Para especialistas em Direito Trabalhista, os assuntos mais reclamados refletem a crise econômica experimentada por grande parte das empresas impactadas ao longo do isolamento social. O empregador em dificuldades financeiras demite o funcionário, mas não tem recursos a pagar por essa dispensa. Bruno Di Gioia, sócio de Relações Laborais do PDK Advogados, aponta que além da questão econômica, com o trabalho remoto também houve um incremento das reclamações sobre a falta de pagamento de horas extras.
“A razão para o não pagamento das verbas após a demissão é mesmo da crise econômica: falta de provisionamento durante a pandemia”, avalia Di Gioia: “A questão da hora extra representa um passivo trabalhista relevante. As empresas acima de 20 funcionários têm obrigação de comprovação de controle de jornada. Mas na pandemia, com o home office, muitas entenderam que em trabalho remoto não caberia controle de jornada, e isso está chegando aos tribunais, gerando consequências para as empresas”, explica.
Além disso, tem crescido o número queixas sobre intervalo intrajornada — pausa que ocorre durante o expediente — e interjornada, que corresponde a 11 horas de descanso entre duas jornadas.
“As verbas rescisórias se tornaram um problema, com empresas fechando e não tendo de onde tirar o dinheiro para pagar os funcionários. Isso alavancou o número de ações. O empregador tenta negociar, mas não tem como parcelar, e o acordo extrajudicial incluído na reforma trabalhista é mal visto pelos juízes”, diz Rosângela Tolentino, advogada da área Trabalhista em Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados.
Ações crescem na esteira de decisões do Supremo
Para Julia Campos, especialista em Direito Trabalhista do escritório Andrade e Silva Advogados, a Justiça já observa um novo crescimento no número de ações, após registrar uma queda de mais de 40% no volume de processos após a reforma trabalhista de 2017. Segundo o TST, foram 20.666 ações a mais no ano passado, em relação a 2020. O número ultrapassou a marca de 2,88 milhões de novos processos Além dos efeitos da pandemia, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), declarando a inconstitucionalidade de trechos da própria reforma, têm contribuído para elevar o total de ações. O crescimento, no entanto, ainda não foi contabilizado pelo TST neste ano.
“No ano passado, quando o STF declarou a inconstitucionalidade do artigo da reforma que tratava do pagamento de honorários judiciais e advocatícios quando houvesse sucumbência no pedido, houve um aumento do total de ações em geral, e até no número de reclamações sobre adicionais de insalubridade e periculosidade, que são temas difíceis de terem sucesso. O Supremo derrubou o risco de pagamento para o beneficiário da Justiça gratuita, ou seja, aquilo que geraria um ônus ao trabalhador.”
Segundo Rosângela Tolentino, advogada da área Trabalhista do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra ainda o crescimento de reclamações sobre assédios moral e sexual — questões delicadas e de difícil comprovação:
“Têm aparecido os assédios moral e sexual. Em muitos casos, as provas de uma testemunha são mais raras. Quando há gravação, a parte contesta, o que nos tribunais é controverso.”
Síndrome de Burnout começa a ser demandada
Outro tema que tem surgido cada vez mais nos tribunais é a síndrome de Burnout — causada por esgotamento físico e mental. Na prática, o problema passou a ser considerado doença ocupacional em 1º de janeiro, após sua inclusão na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso significa que agora estão previstos os mesmos direitos trabalhistas e previdenciários assegurados no caso das demais enfermidades relacionadas à vida laboral.
A síndrome, desencadeada pelo estresse crônico no trabalho, se caracteriza pela tensão resultante do excesso de atividade profissional e tem os esgotamentos físico e mental, a perda de interesse, a ansiedade e a depressão entre os sintomas mais comuns.
“É uma demanda que tem crescido, mas é complexo saber se o empregado está mesmo sofrendo daquela doença, de esgotamento físico e mental, por causa do trabalho. Não é uma tarefa simples. É preciso ter tanto a prova médica, quanto a prova documental, mostrando as atividades do empregado, como era o ambiente de trabalho. Além disso, o burnout tem uma questão importante que é a necessidade de perícia médica para efeito comprobatório nos Tribunais”, observa Daniel Santos, sócio trabalhista do escritório Machado Meyer.
O trabalhador diagnosticado com a doença terá direito a 15 dias de afastamento remunerado. Acima desse período, receberá o benefício previdenciário pago pelo INSS — o auxílio-doença acidentário, que garante a estabilidade provisória, ou seja, a pessoa não poderá ser dispensada sem justa causa nos 12 meses seguintes ao seu retorno.
Ranking de assuntos mais recorrentes na Justiça do Trabalho até abril de 2022
- Multa de 40% do Fundo de Garantia – 141.552 processos
- Multa do Artigo 477 da Consolidação das Leis do Trabalho (atraso no pagamento da rescisão) – 125.288 processos
- Horas extras – 124.310 processos
- Aviso prévio – 120.638 processos
- Adicional de insalubridade – 106.861 processos
- Horas extras/adicional de horas extras – 106.060 processos
- Verbas rescisórias – 104.170 processos
- Férias proporcionais – 95.220 processos
- Multa do Artigo 467 da Consolidação das Leis do Trabalho – 93.853 processos
- Verbas rescisórias/13º salário – 85.734 processos
- FGTS – 82.148 processos
- Honorários da Justiça do Trabalho – 78.947 processos
- Intervalo intrajornada – 78.562 processos
- Rescisão indireta – 69.818 processos
- Indenização por dano moral – 64.544 processos
- Reconhecimento de relação de emprego – 62.254 processos
- Horas extras/reflexos – 56.614 processos
- Saldo de salário – 56.250 processos
- Intervalo intrajornada/adicional de hora extra – 54.773 processos
- Carteira de trabalho/anotação/baixa/retificação – 43.589 processos
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho (TST)
Veja como comprovar as reclamações
Para especialistas, a prova testemunhal de outros funcionários é sempre mais robusta na Justiça do Trabalho para comprovar vários tipos de denúncias e reclamações.
Já há jurisprudência em diversos tribunais sobre o uso de provas documentais, tais como trocas de e-mails entre o funcionário e seus superiores e mensagens e áudios no WhatsApp entre pessoas e grupos de funcionários.
Há ainda a possibilidade de apresentação de gravação de ligações ou mesmo de vídeos, dependendo do assunto reclamado.
Dependendo do que o funcionário está pedindo na Justiça, será de responsabilidade dele o ônus da prova da denúncia, como no caso de horas extras.
Além disso, em alguns casos, há necessidade de provas técnicas periciais em processos, quando são abordadas questões de saúde, por exemplo, e doenças vinculadas ao ambiente de trabalho.
Fonte: IG