Quase um terço do corpo funcional se recusa a assumir postos de comando; funcionários reclamam de Campos Neto por não defender aumento para categoria.
Por Larissa Garcia e Thiago Resende
Em ato semelhante ao orquestrado pela Receita Federal nos últimos dias, o sindicato que representa os servidores do Banco Central (Sinal) iniciou movimento de entrega de cargos de chefia na autarquia nesta segunda-feira (3).
Segundo a entidade, a autoridade monetária conta com cerca de 500 posições comissionadas. Em nota, o Sinal afirmou que será elaborada uma lista nos próximos dias com os nomes de quem aderiu.
A coleta dos nomes será feita por meio de formulário eletrônico, disponibilizado hoje às 10h. Não só os chefes poderão assinar, mas também aqueles que se comprometem a não assumir os postos caso sejam convocados.
Ainda não há dados preliminares de quantos comissionados pretendem desistir da função, mas segundo a ANBCB (Associação Nacional dos Analistas do Banco Central do Brasil), que faz a gestão da plataforma de assinatura, em uma lista preliminar feita nas últimas semanas, cerca de 1.200 pessoas demonstraram interesse em aderir ao movimento. Entre elas, estão chefes e servidores que vão rejeitar os cargos.
O número representa quase um terço do total de servidores do BC, que atualmente é de 3.478.
Os servidores pedem reajustes salarial após o Congresso aprovar previsão de reposição apenas para policias federais no orçamento de 2022, com o apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Estamos começando hoje, a ideia é fazer reuniões virtuais com servidores de todo o Brasil para convencê-los a aderir, até como forma de pressão para conseguir uma reunião com o presidente [do BC] Roberto Campos Neto. A gente acredita que nas próximas duas semanas teremos uma lista grande”, ressaltou Faiad.
Os servidores que eventualmente substituiriam os comissionados também serão convidados a aderir, abrindo mão de cobrirem os titulares.
Além disso, o Sinal anunciou a adesão de trabalhadores do BC à paralisação dos servidores federais de diversos órgãos, que ocorrerá no próximo dia 18, organizada pelo Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado).
De acordo com o presidente do Sinal, Fábio Faiad, o objetivo da mobilização é reivindicar reajuste salarial não só para os policiais federais, mas também para o BC.
“Vamos inviabilizar a administração porque não está sendo atendido o pleito justo também para servidores do BC”, completou.
Segundo Faiad, os servidores do BC reclamam ainda por não terem sido recebidos pelo presidente da autarquia, Roberto Campos Neto.
“[Os servidores] Estão indignados porque não tiveram reajuste e não foram recebidos pelo presidente Campos Neto, isso deixou o pessoal muito bravo. Entendemos que a resposta é a paralisação“, disse.
Internamente, segundo relatos feitos à Folha, os servidores argumentam que desde o início da pandemia de Covid-19 o BC tem feito muitas entregas, como o Pix (sistema de pagamentos instantâneos) e o open banking, além de diversas medidas de enfrentamento à crise sanitária.
Segundo afirmaram, sob a condição do anonimato, as iniciativas demandaram muito esforço do corpo funcional.
Há reclamações também à falta de empenho de Campos Neto em relação aos servidores. A avaliação é que o presidente do BC tem bom relacionamento com Bolsonaro e com o Congresso e teria condições de negociar reajuste.
“Não é só uma demanda por reajuste. Temos ainda uma bagagem de reestruturação de carreira pendente desde 2016“, destacou o presidente da ANBCB, Henrique Seganfredo.
No mês passado, em uma carta endereçada ao presidente e aos diretores do BC, os servidores cobraram um posicionamento e citaram os esforços do corpo funcional nos últimos anos.
“Não obstante o cenário de necessária austeridade e equilíbrio, causou-nos profunda estranheza e indignação as tratativas para reajustes salariais para determinadas categorias do serviço público, alijando outras, gerando evidente assimetria de tratamento, e deixando de fora os servidores desta Casa”, disse o texto, assinado por 45 chefes de departamento, cargo mais alto da carreira, depois da diretoria.
O movimento começou com a entrega de comissões na Receita Federal. O Sindifisco (sindicato da categoria) estima que 1.237 auditores em postos de chefia já abriram mão de cargos comissionados.
Outras carreiras do Executivo federal e do Judiciário começaram a se queixar do aumento previsto para policiais. Entre elas estão os funcionários do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), peritos médicos e auditores agropecuários.
O movimento ganhou mais força na semana passada, quando representantes da elite do funcionalismo decidiram que, para pressionar o governo federal a conceder reajuste salarial generalizado, poderão ocorrer paralisações de um ou dois dias em janeiro e até mesmo uma greve geral, sem prazo para terminar, a partir de fevereiro.
Em decisão unânime, o Fonacate traçou esse calendário. A entidade reúne 37 associações e sindicatos de carreiras de estado, sendo que cerca de 30 são de categorias do serviço público federal, como CGU (Controladoria-Geral da União), diplomatas, analista de comércio exterior, Tesouro Nacional, Receita Federal, auditores do trabalho e peritos federais. Ao todo, são cerca de 200 mil servidores públicos entre ativos e inativos.
O Fonasefe (Fórum das Entidades dos Servidores Públicos Federais), que reúne 30 entidades, como funcionários da área de saúde, Previdência e assistência social, discute se alinhar ao calendário Fonacate e promover uma greve geral caso as negociações não avancem.
Juntos, esses fóruns, segundo a cúpula dessas organizações, representam mais de 80% do funcionalismo do Executivo federal, que hoje tem aproximadamente 585 mil ativos.
A pressão do funcionalismo por aumento salarial preocupa a equipe econômica.
O ministro Paulo Guedes (Economia) já pediu apoio dentro do governo contra o reajuste amplo aos servidores, que, segundo ele, pode quebrar o país. Nos cálculos do governo, cada aumento de 1% linear a todos os servidores tem um impacto de R$ 3 bilhões.
Apenas PF, PRF (Polícia Rodoviária Federal) e Depen (Departamento Penitenciário Nacional), além de agentes comunitários de saúde, obtiveram promessa de reajuste dentro do funcionalismo.
O Orçamento prevê R$ 1,7 bilhão para o reajuste, mas não há no texto uma previsão de uso dessa verba exclusivamente para essas carreiras policiais.
Após a reunião do Fonacate, a entidade ressaltou que a maioria dos servidores públicos federais está com o salário defasado em 27,2%, pois não há reajuste desde 2017.
ENTENDA A MOBILIZAÇÃO DOS SERVIDORES FEDERAIS
1. Qual o motivo da insatisfação? Os servidores querem reajuste salarial não só para policiais federais;
2. Como está a movimentação por uma greve do serviço público? Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado) e Fonasefe (Fórum das Entidades dos Servidores Públicos Federais) discutem paralisação em janeiro e uma greve geral a partir de fevereiro;
3. Quantos servidores são representados por essas entidades? Mais de 80% dos quase 600 mil servidores do Executivo, segundo a cúpula dessas organizações;
4. Quais categorias ameaçam parar? CGU (Controladoria-Geral da União), diplomatas, analista de comércio exterior, Tesouro Nacional, Receita Federal, auditores do trabalho, entre outras, como servidores da saúde, Previdência Social e assistência social;
5. Quais os próximos passos? Cada sindicato precisa se reunir em uma assembleia e aprovar a paralisação em janeiro.
Fonte: Folha de São Paulo