Uma revisão de incentivos e benefícios sem retorno social é uma medida bem-vinda, mas não é o caso do Programa de Alimentação do Trabalhador (Por Antonio Corrêa de Lacerda*)
Nas discussões sobre a reforma tributária, vários aspectos podem agravar as distorções já presentes na estrutura. Um exemplo disso é a proposta do relator, deputado federal Celso Sabino, de eliminação do incentivo ao vale-refeição e do vale-alimentação, o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), que monta R$ 1,2 bilhão. Além de uma clara desvantagem para os 20 milhões de trabalhadores diretamente beneficiados pela política em vigor, haveria ainda o efeito indireto para os empreendedores e trabalhadores da área de alimentação fora do lar.
Outra contradição é que o PAT, pela atividade gerada, proporciona uma arrecadação muitas vezes superior ao custo fiscal envolvido. Os vales refeição e alimentação muitas vezes representam um benefício praticamente equivalente ao salário de trabalhadores de baixa renda. Além do impacto sobre o poder de compra desses trabalhadores, há um efeito significativo sobre a demanda gerada principalmente nas comunidades e para pequenos estabelecimentos de comércio, bares e restaurantes.
Muitas das propostas da chamada segunda fase da reforma tributária, por outro lado, estão no caminho de correção de importantes outras distorções. Uma revisão de incentivos e benefícios sem retorno social é uma medida bem-vinda. Não é o caso do PAT, pelos motivos já apontados. Mas há uma gama de outras isenções que precisam ser revistas em nome da justiça social e da normalização da concorrência, pois há alguns casos localizados de grande potencial para amenizar os impactos fiscais.
Uma distorção relevante delas se refere à carga tributária por bases de incidência. Neste ponto, observa-se um relevante desalinhamento do Brasil em relação a grande parte dos países. Enquanto entre nós há uma participação da tributação de 18% sobre a renda, de 4% sobre patrimônio e de 50% sobre o consumo, na média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo dos 36 países mais desenvolvidos, a participação da tributação sobre a renda é de 34%; sobre o patrimônio é de 5,5% e sobre o consumo, de 32%. O Brasil tributa muito o consumo e pouco a renda e o patrimônio em relação à média dos países, o que lhe denota um significativo caráter regressivo.
A carga tributária muito concentrada em impostos sobre consumo, incidindo sobretudo de forma indireta, afeta direta e negativamente a capacidade de consumo das famílias de classes baixa e média de renda, reduzindo significativamente a capacidade de demanda e agravando a desigualdade. Logo, num país onde grande parte da população percebe um baixo rendimento mensal, essa elevada carga tributária sobre consumo e sobre produção restringe a demanda agregada, reduzindo o potencial de crescimento e de desenvolvimento econômico, principalmente nas diferentes regiões do País.
Em nível geral, a carga tributária brasileira proporcionalmente ao Produto Interno Bruto (PIB) é um pouco abaixo da média dos países da OCDE, de 34%, embora elevada comparativamente a países de renda média equivalente. E uma outra questão relevante que se coloca no caso do Brasil é quanto à contrapartida oferecida pelo Estado aos contribuintes. Na maioria dos países citados, o Estado proporciona uma boa base de serviços, educação, segurança, saúde, infraestrutura em geral.
Sob o ponto de vista da competitividade, a elevada complexidade e o tempo para a apuração de impostos geram um alto custo adicional para as empresas brasileiras. Insegurança jurídica, com as constantes alterações nas leis, também dificulta o planejamento econômico e os investimentos.
*PROFESSOR-DOUTOR, DIRETOR DA FEA-PUC-SP, PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DE ECONOMIA (COFECON), PUBLICOU, ENTRE OUTROS, ‘O MITO DA AUSTERIDADE’ (EDITORA CONTRACORRENTE). SITE: WWW.ACLACERDA.COM
Fonte: Estadão