Fintechs dizem que proposta joga mais responsabilidade no colo de empresas e consumidores
Para participar do ambiente de negócios mais aberto, cliente terá que autorizar uso de informações. Imagine poder pagar uma fatura de um cartão de crédito do banco A usando uma linha de crédito que você acabou de pegar em um banco B, onde você não é cliente.
Ou usar um aplicativo que permite enxergar em um único lugar todas as suas contas bancárias, boletos, financiamentos e investimentos de diferentes bancos, lojas, financeiras e plataformas de investimento, levando o dinheiro de um lado para o outro, transferindo débitos e aplicações. Esse é o mundo do open banking, um sistema que começa a ser implementado ano que vem.
É verdade que alguns aplicativos virtuais atuais já permitem ao consumidor colocar informações de diferentes contas em uma mesma planilha de despesas pessoais, mas é a pessoa que tem que carregar os dados. E uma fintech que não tem esse consumidor como cliente não consegue oferecer a ele um produto, como uma linha de crédito.
No open banking, as informações das pessoas vão circular o tempo todo, em tempo real. E um banco digital do qual você nunca ouviu falar pode aparecer com uma oferta de produto.
Um mundo aberto
Assustador? Para quem não quiser compartilhar dados, basta expressar essa vontade a bancos e empresas —desde a financeira onde tem crédito até a loja de eletrodoméstico onde parcelou a aquisição de uma TV. Mas nesse caso, seguirá sendo visto apenas pelos bancos e empresas onde já tem negócios.
“O open banking vai criar mais oportunidades para as empresas oferecerem seus produtos, de um lado, e permitir aos consumidores acesso a um leque de produtos e serviços muito maior. Isso vai aumentar competição e baixar custos. Mas também vai exigir mais responsabilidade de empresas e mais informação dos consumidores” disse o presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD), Rafael Pereira.
Segundo ele, nos Estados Unidos o compartilhamento de informações é um dos fatores que permitem às financeiras independentes e bancos regionais responderem por mais de 40% do crédito às pessoas físicas. No Brasil, as fintechs e bancos digitais emprestaram neste ano R$ 1,8 bilhão, muito pouco em comparação com os grandes bancos, que respondem por mais de 80% do estoque de R$ 1,9 trilhão em financiamentos tomados por pessoas físicas no país.
Regras já apresentadas
Esse mundo será implementado no Brasil em quatro etapas, começando pelo compartilhamento de dados. O Banco Central apresentou na última semana de novembro a proposta dele com as regras. O texto está em consulta pública até 31 de janeiro. Nesse período, empresas e profissionais do mercado poderão dar sugestões. Cabe ao órgão do governo, depois, acatar ou não os ajustes propostos e só então divulgar a regulamentação final.
O open banking não é novidade no mundo. Já vem sendo testado em mercados como o do Reino Unido. “A vantagem do Brasil é que podemos evitar erros que foram praticados lá”, disse Pereira.
Versão brasileira
No Brasil, por exemplo, não vai existir um novo órgão criado apenas para acompanhar o funcionamento do open banking, como ocorreu no Reino Unido – e que encareceu a implementação do sistema. Lá, os gastos do governo e das empresas superaram 1 bilhão de libras (R$ 5,4 bilhões), segundo a própria Open Banking Implementation Entity (Obie), criada para esse fim.
No Brasil, são as empresas e as associações que terão que criar tecnologias e processos para interligar dados de consumidores e empresas. Mas para que a troca de dados não vire peneira de vazamento de informações, bancos, fintechs e financeiras terão que criar uma área própria de governança.
São as pessoas dessas áreas que vão responder, em termos legais, nos casos de irregularidades, como por exemplo, vazamento de dados.
“Entendo que o edital sobre open banking que foi para consulta pública está em linha com o que o mercado esperava, definindo, entre outras coisas, o escopo mínimo das instituições participantes, os serviços e dados abrangidos e as responsabilidades pelo compartilhamento”, afirma o chefe do comitê de fintechs da ABStartups, associação que representa as startups, Bruno Diniz, também professor da FGV e de MBA na USP.
Compartilhando dados
O Banco Central propõe que o open banking comece no Brasil pelas empresas do setor financeiro e, depois, seja ampliado para outros setores, como lojas de varejo. “É uma forma de fazer uma implementação cuidadosa. Assim, será mais fácil corrigir problemas”, disse o presidente da ABCD, Rafael Pereira.
As regras propostas pelo BC definem questões cotidianas. Vamos supor que alguém tenha conta bancária em um grande banco. Pela proposta do BC, uma fintech poderá fazer ao banco até quatro pedidos, por dia, de dados de um mesmo cliente.
Outro ponto destacado pelas empresas -em especial das novas fintechs e bancos digitais. O acesso aos dados tem que ser permitido -desde que o cliente tenha assim autorizado. Ou seja, um grande banco ou uma grande operadora de cartão não poderá se recusar a abrir uma informação pedida por uma nova fintech sobre um CPF.
Os profissionais de mercado dizem que os consumidores deverão ficar ainda mais atentos aos contratos, de todos os tipos -de crediário ao investimento. Isso porque é nesses contratos que estará o sinal verde para o compartilhamento de dados. Assinou, autorizou.
O próprio diretor de organização do sistema financeiro e de resolução do Banco Central, João Manoel Pinho de Mello, reconhece que a segurança dos dados e o direito à privacidade é um dos grandes desafios do open banking. Em um evento em São Paulo mês passado, ele disse que o open banking eleva a responsabilidade com os dados. “Então precisa ter ainda mais governança”, afirmou.
Tecnologia pronta
Uma unanimidade entre os representantes do setor sobre as regras propostas pelo Banco Central é a opção de dar espaço à inovação, sem impor travas ou regras engessadas para as tecnologias que poderão ser usadas.
Para profissionais do setor, as empresas já têm tecnologia pronta para viabilizar o ambiente de Open Banking no Brasil. Entre maio e setembro, fintechs e instituições financeiras realizaram testes (Prova de Conceito, ou PoC, do inglês Proof of Concept) para compartilhamento de dados cadastrais e financeiros, em uma iniciativa da ABCD com a ABBC (Associação Brasileira de Bancos), que congrega mais de 80 pequenos e médios bancos.
“A experiência desmitificou o desafio técnico. Nosso objetivo de disseminar e demonstrar as oportunidades de negócio foi claramente atendido. Realizamos um case que pode servir de referência para o projeto de open banking”, disse o diretor-executivo da ABBC, Cláudio Guimarães.
O diretor de inovação da TecBan, que opera a rede de caixas eletrônicos 24 horas do país, Thiago Aguiar, diz que a empresa já tem desenvolvidas as tecnologias que poderão conectar mais fintechs na plataforma. Para ele, o maior desafio é conferir se o sistema vai comportar um volume muito maior de transações, que é o que ocorrerá com o Open Banking.
Fonte: UOL