Itaú foi a primeira empresa fiscalizada por um grupo especial do MTE de combate à discriminação e ao assédio
Por Daniel Camargos
Profissionais em licença médica foram pressionados a aderir a programa de demissão voluntária, segundo operação inédita do Ministério do Trabalho e Emprego; para auditores, política de contratação do banco também apresenta problemas, como empregar mulheres e negros em cargos inferiores e com salários mais baixos
Maior instituição financeira do país, o Itaú Unibanco teria usado um programa de desligamento voluntário (PDV) como “política de descarte” de funcionários idosos e adoecidos, segundo operação realizada ao longo de um ano e meio por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
A fiscalização afirma também que a política de contratação do banco levou “à redução da igualdade de oportunidade no trabalho e de tratamento no emprego” para mulheres e negros. Segundo os auditores, isso prejudicou a ascensão profissional desses grupos, admitidos na empresa em cargos com salários mais baixos.
O relatório de 70 páginas da investigação, ao qual a Repórter Brasil teve acesso, aponta 18 autos de infração por infrações trabalhistas diversas. O Itaú é a primeira empresa fiscalizada por um grupo especial de auditores fiscais do MTE criado para o combate à discriminação e ao assédio.
A operação partiu do cruzamento de dados de bases oficiais do governo, como o eSocial, o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) e a Rais (Relação Anual de Informações Sociais), com informações de 132 mil empregados diretos do banco. Além disso, foram vistoriadas 53 agências em quatro estados – Bahia, Minas Gerais, Paraíba e Pernambuco – e entrevistados 300 trabalhadores.
Em nota, o Itaú afirma discordar dos critérios utilizados pela fiscalização e diz já ter apresentado defesa ao Ministério do Trabalho — confira aqui a íntegra da resposta. A análise dos recursos vai determinar se a instituição será ou não multada.
Descarte de trabalhadores adoecidos
De acordo com os auditores fiscais, os requisitos do programa de desligamento voluntário criado pelo Itaú no início de 2022 teriam sido desenhados para estimular a saída de funcionários de idade avançada e, principalmente, de empregados com problemas de saúde — em alguns casos, relacionados a doenças ocupacionais.
Dos 1.501 funcionários que aderiram ao PDV no ano passado, 85% estavam afastados há pelo menos 30 dias por motivo de doença ou acidente, ou se encontravam em estabilidade provisória após tratamento médico. Somados aos idosos, eles totalizavam 93,9% do público inscrito no programa.
O relatório sustenta que trabalhadores com esses perfis, e que não se inscreveram no PDV, foram “assediados” com e-mails e mensagens de SMS para entrar no programa.
A Repórter Brasil conversou com um bancário que trabalhou por 13 anos em uma agência do Itaú em Salvador (BA) e falou sob anonimato.
Ao longo desse período, ele relata ter se afastado em três oportunidades para realizar cirurgias. Uma foi motivada por uma epicondilite — inflamação nos tendões do cotovelo. As outras duas tiveram como causa a síndrome do túnel do carpo, compressão dos nervos da mão que provoca dormência e formigamento.
Essas doenças são comumente desenvolvidas por trabalhadores submetidos a movimentos repetitivos, como é o caso de bancários.
No ano passado, o bancário diz ter recebido mensagens de seus superiores, fora do horário de expediente, insistindo para que aderisse ao programa de desligamento voluntário. No entanto, acabou recusando e foi demitido no início de julho deste ano. “Recebi várias mensagens na madrugada”, reclama.
Na nota enviada à reportagem, o Itaú rebate as críticas sobre o PDV e afirma ter oferecido aos interessados “uma transição de carreira segura, com salários adicionais e manutenção de benefícios”.
Discriminação estrutural de mulheres e negros
A fiscalização avaliou também os critérios utilizados pelo banco para contratação e promoção de profissionais, e constatou a falta de parâmetros objetivos e de um plano de carreira para os trabalhadores, o que teria prejudicado mulheres e pessoas negras.
Segundo os auditores fiscais do MTE, o Itaú reserva a homens e pessoas não negras “os cargos mais bem remunerados”, e dificulta a ascensão profissional para mulheres e funcionários negros. Trata-se de “discriminação estrutural”, nas palavras da auditora Marina Cunha Sampaio, coordenadora da fiscalização.
“Existe um viés de contratação que empurra mulheres, principalmente as negras, para um patamar inferior em relação a homens, em especial não negros, e que não é justificado pela escolaridade. Para o início de carreira, o único padrão verificado é a desigualdade”, aponta o relatório da operação.
O impacto disso se refletiria na remuneração. Ao comparar o salário médio dos 132 mil funcionários do banco, por gênero e cor, a fiscalização identificou que mulheres recebem 25% a menos do que homens, e os negros ganham 27% menos do que os não negros.
A comparação não considera trabalhadores com o mesmo cargo, mas sim com o mesmo grau de escolaridade, já que as bases de dados do governo não informam os salários por função. Os auditores fiscais afirmam ter solicitado essas informações ao Itaú, sem sucesso.
No caso das mulheres negras, ainda que tenham o mesmo nível de instrução dos funcionários homens e não negros, elas chegam a ganhar 52% a menos.
“Esses resultados salariais refletem o mercado de trabalho brasileiro, que tem as mulheres negras na base, depois os homens negros, as muheres brancas e homens brancos [no topo]”, diz Sampaio.
Em nota, o Itaú informa que “as situações de diferenças salariais são pequenas e pontuais, e estão sendo corrigidas com tempestividade”. A empresa reconheceu que tem responsabilidade “em promover a equidade salarial para todos os seus colaboradores”.
Constrangimentos e “metas absurdas”
Durante as inspeções nas agências, os auditores do Ministério do Trabalho também relataram a existência de murais para expor dados sobre produtividade dos funcionários do Itaú. A prática é proibida pela convenção coletiva firmada entre o sindicato da categoria e o banco.
O relatório destaca ainda “constrangimentos” enfrentados pelos funcionários da empresa, “para que sejam alcançados determinados objetivos empresariais ou institucionais”. Um exemplo é a necessidade de ofertar produtos não adequados aos clientes, apenas para bater metas.
“A gente brinca que ninguém aqui vai pro céu. Imagina oferecer um crédito consignado para alguém que já está com boa parte de sua renda comprometida com pagamento de dívidas”, disse um dos funcionários em depoimento aos auditores fiscais.
Na avaliação do Coordenador Geral do Sindicato dos Bancários de Mossoró e Região, Assis Neto, os episódios de adoecimento se devem à cobrança de metas que ele classifica como “absurdas”. Para ele, não há motivo para “pressão tão grande”, nem para demissões, em razão do elevado lucro da companhia — R$ 20,7 bilhões, em 2022.
Fonte: Brasil Repórter